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ATL 2023 encerra com a conquista da demarcação de seis terras indígenas

ATL 2023 encerra com a conquista da demarcação de seis terras indígenas
29 de abril de 2023 COMIN Comunicação

A demarcação dos territórios indígenas foi a principal pauta da 19ª edição do Acampamento Terra Livre. Foto: Daniela Huberty/COMIN

A 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) reuniu mais de cinco mil indígenas, de mais de 200 povos, em Brasília (DF). A maior mobilização indígena do Brasil foi realizada entre os dias 24 e 28 de abril, na Praça da Cidadania, e teve como tema “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia!”.

A mensagem reforça a importância da demarcação de terras indígenas no país, que ficaram paralisadas durante os últimos seis anos do governo brasileiro, enfatiza a luta dos povos indígenas por direitos e denuncia as violências que seguem acontecendo nos territórios.

Durante cinco dias de mobilização, que ecoaram a força e a resistência dos povos, foram realizadas mais de 30 atividades divididas em cinco eixo temáticos: Diga ao povo que avance, Aldear a Política, Demarcação Já, Emergência Indígena e Avançaremos. As plenárias trataram sobre as pautas das mulheres indígenas, parentes LGBTQIAP+, comunicação indígena, educação escolar indígena, gestão territorial e ambiental de terras indígenas, acesso a políticas públicas, incidência indígena nos espaços de poder, saúde indígena, e povos indígenas em isolamento voluntário. Houve ainda inúmeras apresentações das delegações e de artistas indígenas nas noites culturais.

O ATL 2023 encerrou com a conquista de seis demarcações de terras indígenas: Arara do Rio Amônia, no Acre; Uneiuxi, no Amazonas; Kariri-Xocó, em Alagoas; Tremembé da Barra do Mundaú, no Ceará; Rio dos Índios, no Rio Grande do Sul; e Avá-Canoeiro, em Goiás. Leia a carta de encerramento.

Durante a programação do ATL, houve ainda o lançamento de três publicações: o livro de comemoração aos 30 anos da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), o curso “Participação e controle social de saúde indígena”, e o relatório “Impactos da produção de commodities agrícolas às comunidades Avá-Guarani da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá/Oeste do Paraná”, produzido pela Comissão Guarani Yvyrupa (CGY); além da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, no Congresso Nacional. A Frente é coordenada pela deputada federal Celia Xakriabá (PSOL-MG) e pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e tem como prioridade a promoção e a defesa dos direitos dos povos indígenas e o combate à mineração ilegal em terras indígenas.

O ATL é organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e construído em conjunto com suas sete organizações de base: Apoinme, Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpinsudeste), Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpinsul), Assembleia Geral do Povo Kaiowá e Guarani (Atu Guasu), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), CGY e Conselho do Povo Terena.

COMIN foi parceiro de organizações indígenas da região Sul e de Rondônia com o apoio para transporte através do projeto Moviracá: direito à terra indígena, fruto da parceria entre o movimento indígena e FLD-COMIN, financiado pela União Europeia, e do projeto com Pão Para o Mundo. A articulação se deu com a Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia (AGIR), Arpinsul, CGY, Manxinerune Tsihi Pukte Hajene (MATPHA) e a Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi (OPIAJ).

A diversidade de povos indígenas, de todas as regiões do país, ocupou novamente Brasília com sua força e resistência. Foto: Daniela Huberty/COMIN

Demarcação de territórios

Em cerimônia realizada na manhã do último dia do evento, dia 28, com a presença da ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara e da presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) Joenia Wapichana, entre outras autoridades, o presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou a homologação dos seis territórios indígenas.

Além dos territórios, o presidente também assinou vários decretos que retomam as políticas sociais para os povos indígenas. São eles: a recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), retomada do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), o pacote de medidas de fortalecimento institucional da Funai (MGI), e aquisição de insumos e ferramentas e equipamentos para casas de farinha voltadas para a recuperação da capacidade produtiva das comunidades indígenas Yanomami.

De acordo com a coordenação executiva da Apib, havia 14 terras aptas para homologação, esperando apenas a assinatura da Presidência da República. Outras 600 terras indígenas estão pendentes há anos, aguardando o início do processo de demarcação. No total, são 1.393 TIs em diversas fases, que precisam ser demarcadas. Além da demarcação dos demais territórios, a Apib reivindicou a criação de uma política para desintrusão dos territórios, ressaltando que a demarcação de terras indígenas é um bem para toda sociedade. Durante a cerimônia, foi entregue a Carta do Acampamento Terra Livre ao presidente Lula.

Em sua fala, a ministra Sonia Guajajara anunciou uma sala de situação para acompanhar as comunidades Avá-Guarani no oeste do Paraná, prevendo o início de diálogos com a direção da UHE Itaipu Binacional, para efetivar medidas de reparação por violações de direitos humanos e territoriais indígenas na região.

Presidente Lula e demais autoridades participaram do encerramento do ATL 2023. Foto: Kamikia Kisedje

Contra PLs anti-indígenas

Durante o ATL, o movimento indígena promoveu duas marchas pelas ruas da capital federal. No primeiro dia de acampamento, dia 24, os povos indígenas ecoaram seus maracás pedindo a derrubada dos Projetos de Leis (PLs) anti-indígenas e anti-ambientais que estão tramitando no Congresso Nacional. São mais de 30 projetos, como o PL da Grilagem, o PL 191/2020, que permite a mineração em territórios indígenas, e o PL 490/2007, que aplica a tese do marco temporal e permite que o governo tire da posse de povos indígenas áreas oficializadas há décadas.

“A gente tá lutando dentro de um cenário que o Congresso está majoritariamente composto dos nossos inimigos históricos”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib. “Mas também estamos vivendo um cenário em que governo federal vem dialogando, com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, o protagonismo da Funai, com a Presidenta Joenia na primeira presidência indígena do órgão, a Secretaria de Saúde indígena com Weibe Tapeba, o primeiro indígena legitimado pelo movimento a ocupar aquele espaço. Esse protagonismo tem muito a ver com a nossa luta e resistência. Nós conseguimos essa conquista e o ATL de 2023 reafirma que continuaremos na luta”.

A marcha “Enfrentamento de PLs Anti-indígenas” finalizou com um ato em frente ao Congresso, onde ocorreu a sessão solene em homenagem aos 19 anos do Acampamento Terra Livre, com a presença de cerca de 500 indígenas e lideranças como a deputada federal Celia Xakriabá, a presidenta da Funai Joenia Wapichana e a ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara.

Inúmeros projetos anti-indígenas e anti-ambientais estão tramitando no Congresso Nacional, como o PL 2159/2021. Foto: Daniela Huberty/COMIN

Povos decretam emergência climática

No dia 26, os povos indígenas decretaram emergência climática na marcha “Povos Indígenas decretam emergência climática!”, e pediram atenção para o enfrentamento às violações de direitos ocasionadas pelas mudanças do clima. No mesmo dia, foi realizada uma vigília em frente ao Congresso Nacional com a projeção de diversas frases.

O decreto, apresentado pela Apib e suas organizações regionais, apresenta 18 reivindicações a todos os poderes do Estado. Entre elas, a demarcação das terras indígenas em todos os biomas, especialmente aquelas que aguardam apenas a fase de homologação; o fortalecimento do MPI, Funai e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai); e a atualização e implementação do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, incluindo os planos de ação para a prevenção e o controle do desmatamento nos biomas e os planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas.

“Continuamos a ser vítimas de políticas discriminatórias, preconceituosas e racistas, pioradas gravemente nos últimos seis anos pelo descaso governamental e o incentivo às invasões protagonizadas por diversas organizações criminosas cujas práticas só pioram as mudanças climáticas. […] Para que isso acabe e para que nós possamos seguir zelando pelo bem viver dos nossos povos e da humanidade inteira, contribuindo com o equilíbrio climático, decretamos à viva voz a Emergência Climática”, diz trecho do decreto. Acesse o documento completo aqui.

Mais de cinco mil indígenas marcharam pelas ruas da capital federal decretando emergência climática. Foto: Daniela Huberty/COMIN

Mobilização contra o marco temporal

Durante a plenária para debater as consequências do marco temporal para os direitos dos povos indígenas, realizada dia 27, com advogadas e advogados indígenas e juristas apoiadoras e apoiadores, foi anunciada uma nova mobilização nacional, de 5 a 9 de junho, em Brasília, devido à retomada do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), prevista para o dia 7 de junho.

A tese do marco temporal, considerada inconstitucional, afirma que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras se estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, o que restringe o direito dos povos à demarcação de suas terras. “O marco yemporal aponta a continuidade de um genocídio e etnocídio dos povos indígenas, pois sem território não há saúde e nem educação para nós indígenas”, disse Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib.

O julgamento trata, no mérito, de uma ação possessória (Recurso Extraordinário n.º 1.017.365) envolvendo a Terra Indígena Ibirama Laklaño, dos povos Laklãnõ-Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. Com status de repercussão geral, a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país.

“Sem demarcação, a gente não tem vida. Não tem território vivo, não tem esperança”, afirma Val Eloy Terena, coordenadora executiva da Apib. “Tudo o que nós queremos é que o marco temporal seja derrubado, para que a gente possa de fato dar continuidade às nossas culturas, às nossas vidas, e para que os nossos territórios sejam reflorestados novamente”.

Em plenária, Maurício Terena reafirma a inconstitucionalidade da tese do marco temporal. Foto: Kamikia Kisedje

Histórico

O primeiro ATL surgiu em 2004, a partir de uma ocupação realizada por povos indígenas do sul do país em frente ao Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios. Esses povos protestavam por uma Nova Política Indigenista, que havia sido pactuada durante o período eleitoral, e reivindicavam a retomada de diálogo e negociações com o governo.

A mobilização ganhou então a adesão de lideranças e organizações indígenas de outras regiões do país. Assim, o ATL inaugurou um marco histórico para o movimento indígena: consolidou a contínua mobilização nacional dos povos indígenas e possibilitou a criação da APIB, em novembro de 2005, que nasceu com o propósito de fortalecer a união dos povos e articular e mobilizar organizações indígenas de diferentes regiões do país contra as ameaças e agressões aos direitos indígenas.

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