POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO COMIN
Para celebrar os 40 anos de atuação junto aos povos indígenas, o Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN) realizou, na noite do dia 27 de setembro, a roda de conversa ao vivo “COMIN 40 anos – como será a próxima década?”.
A roda de conversa teve como objetivo refletir sobre como deve ser a atuação da organização na próxima década, a partir do debate com lideranças e representantes de organizações indígenas parceiras do COMIN nos últimos anos.
Estiveram presentes Edson Kayapó, docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) e ativista do movimento indígena brasileiro, Kuaray, Marelva Sakyrabiar e Nyg Kaingang, representantes das organizações Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia (AGIR) e Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), respectivamente. A mediação foi feita pelo coordenador de FLD-COMIN, Sandro Luckmann. Também esteve presente o presidente da Diretoria Executiva de FLD-COMIN-CAPA, Fábio Bernardo Rucks.
Após serem recebidas e recebidos com o texto de Mirian Krexu “A mãe do Brasil é indígena”, pela voz da cantora Maria Bethânia, Sandro lembrou sobre a criação do COMIN em 1982 – década em que ainda prevalecia a proposição da política de integração dos povos indígenas. Quarenta anos depois, o movimento vive uma nova conjuntura, em que se busca a superação do racismo estrutural contra os povos indígenas.
Celebrar os 40 anos da organização, segundo o coordenador, “implica em não desejar ficar preso num olhar para trás, mas em manter a disposição para o seguimento e a convicção da importância do ato fundamental de escuta junto com os povos indígenas. A importância em estar em acordo ao protagonismo dos povos indígenas, seus movimentos, articulações e estratégias”.
Lutas e resgate histórico
O COMIN foi criado como seguimento do trabalho iniciado pela Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) nas décadas de 1960 e 1970. A geração de pessoas indígenas dessa época, que passava por um processo de alfabetização bilíngue no sul do país, foi fundamental para o fortalecimento identitário da atual juventude, pois foram as primeiras pessoas que atuaram como educadoras indígenas, lembrou Nyg Kaingang.
“Foi muito importante essa luta, principalmente de utilizar a educação como uma ferramenta libertadora dos povos indígenas, que é a ferramenta que veio como algo que nos libertou de muitas amarras que a colonização nos colocava, e ainda nos coloca de certa forma, mas que hoje a gente consegue trazer esse debate, esse diálogo fundamentado a partir dos nossos direitos e nos reconhecendo como sujeitos de direito”.
Ao longo dessas décadas, o movimento indígena pautou (e ainda pauta) a questão da luta pela terra. Kuaray lembrou que, mesmo antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, e a consequente garantia da demarcação dos territórios, já se tratava sobre a ocupação tradicional dos povos indígenas e destacou o importante movimento das bases. “Luta muito árdua que a gente vem travando há muito tempo, há séculos, que é esse resguardo pelo Estado brasileiro em relação aos nossos territórios, esse respeito relacionado à situação fundiária dos povos indígenas”.
Além da não demarcação das suas terras, a população indígena no país sofreu e ainda sofre com o processo histórico de violência e genocídio, fruto do racismo da sociedade não indígena ao longo dos anos. “Falar de povos indígenas, historicamente no Brasil, infelizmente, nos leva a pensar num racismo histórico que tem dificuldade para que ele recue. E esse racismo está apresentado e colocado estruturalmente na sociedade como um todo e particularmente na escola”, afirmou Edson Kayapó.
A escola, para ele, é instituição essencial para que se rompa com o racismo. “Dentro da escola, nós vemos a sistemática ação de educadores que continuam seguindo, impavidamente, sem observar essa diversidade sociolinguística e cosmológica dos povos indígenas. Então mantém-se, em grande medida, um discurso pedagógico de generalização dos povos indígenas, de folclorização das nossas tradições e das nossas formas de organização, e de congelamento dos nossos povos no passado”.
No período da colonização, muitas mulheres reagiram e protagonizaram frentes de combate à dominação europeia e, atualmente, o movimento das mulheres indígenas mostra-se cada vez mais fortalecido e atuante. Para trazer a voz das mulheres indígenas desde o contexto da Amazônia brasileira, Marelva tratou sobre a atuação da AGIR no território de Rondônia.
“A AGIR vem com as oficinas para estar capacitando as mulheres indígenas, principalmente as mulheres das aldeias, pra saber como procurar os seus direitos. Também capacitar a juventude, que muitas vezes é esquecida, e é nosso futuro”.
Como será a próxima década?
Kuaray trouxe o caso do julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), da Terra Indígena Ibirama Laklãnõ (SC), do povo indígena Laklãnõ-Xokleng, para afirmar que essa será uma decisão que vai delinear como será a próxima década para os povos indígenas: “O território é o mais básico dos direitos para as comunidades e povos indígenas. Pensar o futuro tem a ver com o momento que a gente vive, de ataques e tentativas de deslegitimar o movimento”.
Ele reforça que esses são debates importantes a serem feitos pelas organizações parceiras, que devem cumprir um papel de apoio para que, cada vez mais, as pessoas indígenas disputam espaços. “Há muito tempo a gente já superou essa ideia da tutela e os apoiadores também estão entendendo esse lugar de não falar pelos indígenas, de não falar pelas lideranças, mas sim dar todo esse apoio pra que futuramente a gente consiga mais e mais estar ocupando esses espaços, estar colocando nossa própria voz”.
Para Nyg, a próxima década deve seguir tendo a educação como meio libertador e, por isso, é tão importante a parceria das organizações junto à juventude indígena, e a utilização de novas tecnologias como ferramentas de luta e produção de memórias. Da mesma forma, Edson afirmou que é preciso criar possibilidades para que os povos indígenas façam a gestão de uma escola que, de fato, dialogue com suas demandas e forme para a gestão dos territórios.
“É preciso trazer, para dentro das escolas indígenas, o ensino na língua materna, os saberes milenarmente construídos pelos povos indígenas, as memórias históricas e as cosmologias dos povos indígenas dialogando, obviamente, com outros conhecimentos não indígenas”. E ressaltou a necessidade de uma educação intercultural, favorável aos povos indígenas e às pessoas não indígenas, para a verdadeira efetivação de políticas educacionais que respeitem os direitos originários.
Edson ainda fez um convite a todas e todos para uma grande união de forças no combate ao racismo, ao ecocídio e a favor da vida. “Para além de fazermos a crítica a um cristianismo que tem sido muito danoso para os povos indígenas, no tempo presente, nós temos organizações que estão vinculadas ao cristianismo sim, mas que trazem para nós, povos indígenas, ações e um apoio fundamental para que nós possamos construir o nosso projeto de autodeterminação”.
Assista à roda de conversa:
40 anos de atuação
Além da roda de conversa, ao longo de todo o mês de setembro foram divulgados vídeos sobre a atuação do COMIN e o contexto do movimento indígena ao longo dessas quatro décadas, e mensagens de instituições e organizações indígenas e não indígenas parabenizando pela data.