O COMIN de Carauari-AM promoveu entre os dias 13 a 23 de junho de 2009 na aldeia Morada Nova, Rio Xeruã/Itamarati-AM, um curso com a temática Ciências Naturais e Etnociências. Participaram deste curso 23 professores dos povos Deni e Kanamari do município de Itamarati-AM. O pedagogo e ex-coordenador da educação indígena de Carauari-AM, Miliciano Gomes da Silva, ministrou o curso. O curso foi possível graças ao apoio da entidade alemã Schul- und Kinderhilfswerk ARABRAS – Magrit e Erich Kupfer e.V. – Leer/Alemanha.
O tema do curso “Ciências Naturais” foi escolhido pelos professores no curso do ano passado. Na preparação do curso foi combinado ligar a ciência ocidental com a etnociência indígena. Isto de fato ocorreu e enriqueceu muito o conteúdo do curso. Os assuntos do curso foram: 1) Ciências naturais: O ciclo da vida, as características dos seres vivos, a alimentação e a reprodução dos seres vivos, as células vegetais e animais, o reino dos animais vertebrados e invertebrados, peixes, anfíbios, répteis, aves, reino das plantas, funções das partes das plantas, fotossíntese, cadeia alimentar, ecossistemas e o ecossistema amazônico, transferência de energia em um ecossistema, evolução, mudanças climáticas, aquecimento global, cinco sentidos no ser humano e nos animais e preservação de flora e fauna. 2) Português: futuro do pretérito e a nova ortografia. 3) Matemática: Números ordinais, cardinais e fracionários. 4) Metodologia de ensino: Didática e dinâmicas para diferentes faixas etárias de alunos.
Os professores se manifestaram dizendo que todos os assuntos foram novidades para eles e mostraram muito interesse. As células de animais e plantas foram analisadas, desenhadas e com um microscópio da FUNASA todos puderam ver de perto algumas células. A importância das plantas para a alimentação e para o clima foi uma descoberta. Em grupos os professores tinham a tarefa de desenhar cadeias alimentares, com os produtores, consumidores primários, secundários, terciários, etc., da terra e da água. Todos apresentaram com êxito a nova aprendizagem.
Houve uma longa discussão durante o curso sobre a evolução e a cosmovisão indígena e os mitos indígenas. Os professores concluíram que a sabedoria indígena complementa a ciência. Os professores contaram histórias de fenômenos na mata que a ciência não explica, por exemplo, que uma formiga tocandira se transforma em um cipó. Os professores lembraram que eles sabem de muitos pássaros e bichos que dão sinais de avisos para quem anda na mata. Foi lembrado também que os mitos querem explicar a cada povo indígena o seu lugar no universo e como se vive entre si e com os seres vivos. Quando se falava da metamorfose de besouros e borboletas foi lembrado que os pajés são seres humanos que se transformam constantemente, até em espíritos de animais e plantas.
Durante dois dias os assuntos foram a atmosfera do planeta terra, a camada de ozônio, a problemática das mudanças climáticas e o aquecimento global. Todos perceberam a importância da preservação da mata, que é um seqüestrador do gás carbônico e com sua evapor-transpiração é responsável por 50% da chuva na Amazônia. Manoel Daora Kanamari trouxe um texto sobre as mudanças climáticas que ele escreveu em maio deste ano, depois de um curso do COMIN em Carauari sobre manejo de lagos. No último dia do encontro foram estudados os cinco sentidos dos seres humanos e dos animais, com exemplos do dia-a-dia. Os professores conhecem muito a mata e os animais. Sabem através dos seus mitos que tudo no universo é interligado e o homem não é o centro do mundo. Porém, as leis da natureza e o estudo científico profundo de plantas, animais e de ecossistemas foram novidades.
A avaliação do professor Manoel Daora Kanamari expressa a satisfação de todos os professores: Gostei muito do curso. Aprendi como as plantas recebem a energia do sol, da água, dos sais minerais e fazem o seu alimento na fotossíntese. Essa energia passa depois para outros seres vivos. Aprendi quem são os consumidores primários, secundários, carnívoros, herbívoros, onívoros, etc. e como funciona a energia entre os seres vivos. Aprendi também como as árvores nos protegem respirando gás carbônico e soltando oxigênio para todos nós respirarmos e vivermos. Aprendi também a história do surgimento do homem e dos animais, animais vertebrados, invertebrados e como os peixes respiram dentro da água. Aprendi muito mais neste curso.
Misiha acrescenta: Eu não sabia nada da matéria das ciências naturais. Agora estudei e sei muito mais… Nós fizemos dinâmicas, aprendemos novas cantorias, fizemos ditados em português. Agora já entendo muita coisa das ciências naturais.
Foi um curso muito proveitoso e gratificante para todos. O assessor mostrou como é importante a sabedoria indígena com a complementação da ciência moderna para que os ecossistemas da terra fiquem intactos. Os indígenas perceberam que seus antepassados sempre eram “guardiões da floresta” e praticaram manejo de peixes, de animais e de roçados com sua biodiversidade. Os professores Kanamari aproveitaram a presença de alguns Kanamari mais velhos na aldeia Deni e trouxeram músicas que mostram a relação íntima do povo indígena com a natureza. Uma música antes da derrubada da mata é assim: Nomam tusawa nhobâ adâh whaina hinam, nomam tusawa nhobâ adâh whaina hinam. Manhã ôtsarimahem amâ Manhã ôtsarimahem amâ. Djawi djawi natah ôdahina dahinam, djahinam, djahi djahi natah ôdahina odjahinam odjahinam. Ômam manhã kururowim, kururowim, kururowim.Ômam manhã kururowim, kururowim, kururowim (Chefe da mata eu vou à tua busca, chefe da mata eu vou à tua busca para desmatar e derrubar a mata, desmatar e derrubar a mata. Todos nós estamos reunidos, todos nós estamos reunidos te pedindo que não fiques com raiva de nós. Estamos cantando para ti, fazendo o sacrifício para te alegrar mais. Por que nós vamos destruir a tua mata, por isso que oferecemos este sacrifício com esta música com respeito a ti para não acontecer problema algum. Silenciem-se árvores, pois nós já sacrificamos ao seu dono e recebemos a autorização do Wanah para derrubar vocês). O professor Manoel Kanamari explicou ainda: O dono da terra é Wanah. Por isso temos esta oração para pedir autorização ao dono da terra para que não fiquemos doentes, para que as onças e cobras se afastem de nós com a ajuda de Tamah Kodoh Wara – Tamah do Céu.
O COMIN agradece pelo apoio que os amigos e amigas do Schulhilfsverein ARABRAS da Alemanha estão dando para realizar os cursos nos próximos dois anos.
Carauari, 9 de julho 2009
Pastor Walter Sass, COMIN-Carauari-AM
Segue a carta que o professor Manoel Daora trouxe para o curso de ciências naturais e etnociências.
(Depoimento escrito no dia 25 de maio de 2009 na aldeia Irmãos Unidos no rio Xeruã (município de Itamarati-AM), pelo professor Manoel Daora Kanamari, depois um curso sobre Ecologia, Desenvolvimento Sustentável e Mudanças Climáticas, realizado pelo COMIN de Carauari-AM no rio Xeruã)
Carta às irmãs e aos irmãos não-índios, para todas as gerações, sobre a mudança climática
Meus amigos, chega de fazer poluição e desmatar a floresta. Não destruam mais as árvores, a natureza, porque são elas que protegem a terra e armazenam a água. Se forem destruídas não haverá mais água. Nós podemos desaparecer por falta de água, por isso, por favor, parem de poluir o ar, a atmosfera que não agüenta mais tanta poluição. Também nós podemos desaparecer sob essa seca, podemos até ser castigados sobre o fogo com nossas atitudes. Além disso, parece que quanto mais poluição mais doenças diferentes surgem. Vamos parar com essas indústrias que só geram calor e seca; vamos parar para que possamos nos refrescar um pouco mais. Quando não existiam não-indígenas aqui, não havia tanta doença nem tanto calor (quentura).
Meus irmãos, meus amigos, nós indígenas não poluímos a atmosfera nem poluímos a natureza. Nós indígenas vivemos sem nenhuma indústria. Por que vocês não-indígenas não podem viver? Sinto que vocês também podem viver como nós, sem poluição e destruição. Nós indígenas podemos não conhecer muito de livros [ciência], mas sabemos respeitar a natureza, não poluímos ou destruímos a mata irresponsavelmente. Fazemos isso porque reconhecemos que as árvores também têm vida, como a gente. Não poluímos o ar porque reconhecemos que o ar é o nosso ar, precisamos dele para respirar, para continuarmos vivos. Se poluirmos o ar, pegaremos doença que nós mesmos criamos, por poluirmos o ar. Nós indígenas precisamos do ar, por isso que o respeitamos.
Meus amigos não-indígenas, se vocês não sabem que precisamos do ar para sobreviver agora saberão. Vocês são homens da ciência e de leis, mas não aprenderam a respeitar o ar, a natureza. Se vocês não conhecem a natureza e o sobrenatural, poderão conhecer agora conosco. Meus amigos, eu sou índio e fico refletindo: os não-indígenas são muito inteligentes, mas parecem não conhecer nada. Pois eu sou índio e reconheço a natureza, o ar, a atmosfera, os rios, a mata.