Em minha caminhada cotidiana junto às comunidades indígenas, da Terra Indígena Guarita (RS), venho percebendo continuamente a necessidade de compreender e conhecer as características específicas da cultura, como: saberes, costumes, valores, crenças, etc. A inter-relação com os grupos de mulheres indígenas: gestantes, nutrizes e mães de crianças com carência nutricional é uma alternativa possível para desenvolver práticas educativas voltadas à promoção da auto-estima nas relações de gênero e de segurança alimentar das famílias.
Em dezembro próximo passado, por motivo da chegada do Natal, foi-nos solicitada a doação de doces para os setores onde desenvolvemos o trabalho de Assessoria em Saúde e Alimentação (ASA). Conversei com os grupos constituídos de mulheres indígenas, apresentei a proposta de preparar bolachas em conjunto na comunidade. Após o assunto ser familiarizado entre as mulheres do grupo, agendamos oficinas de preparo de bolachas.
O grupo de mulheres da aldeia Katiu Griá, em conjunto com a Agente Indígena de Saúde (AIS), Iraci Minka Pedro, organizou a cozinha comunitária para ser o espaço de trabalho coletivo. Preparamos receitas de bolachas integrais e de manteiga. Os ingredientes utilizados no preparo das bolachas são ricos em nutrientes e é uma alternativa a mais de segurança alimentar para as famílias.
A interação entre os grupos de mulheres foi muito produtiva. Todas colaboraram com a prática do preparo das bolachas. Enquanto provavam o sabor característico das bolachas, teciam comentários na língua kaingang e se apropriavam do conhecimento acerca das preparações.
Após alguns dias, a agente de saúde Iraci e eu retornamos à comunidade para realizar nosso trabalho. Fomos convidadas por uma mãe para ir à sua casa. Atendemos ao pedido. Ao chegar próximo da casa, sentimos no ar um cheiro gostoso de bolacha. As mulheres haviam se organizado, comprado os ingredientes em grupo e estavam preparando as receitas. Nossa presença na casa era para provar as bolachas e responder a elas se as preparações estavam saborosas como aquelas que fizeram conosco. Degustamos algumas bolachas. Elas nos falaram que as receitas eram as mesmas, porém, o que mudou foi a adequação às características do espaço e estrutura da casa. As bolachas estavam sendo assadas nas cinzas envoltas em folhas de bananeira e no forno do fogão a lenha.
A partir da experiência coletiva do preparo de bolachas, o grupo de mulheres passou a constituir-se como sujeito do processo na construção de alternativas concretas, investindo no conhecimento comunitário, contribuindo para a transformação da realidade em que vivem.