Dona Emília é uma indígena do povo Puruborá. Sua história e a de seu povo coincide com a de muitos povos indígenas que, por muito tempo, tiveram sua identidade indígena negada pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI ou tiveram que escondê-la para não serem perseguidos pelos invasores de suas terras. Dona Emília, morava com seus filhos, seu marido e demais membros do seu povo na região onde hoje está localizada a Terra Indígena Uru Eu Wau Wau, no município de Seringueiras, estado de Rondônia.
Por ocasião da demarcação desta área indígena, em meados da década de 80, a FUNAI fez o levantamento de todos os ocupantes não indígenas, incluindo a família de Dona Emilia e de todos os seus parentes como posseiros que deviam se retirar daquela área, o que foi questionado por eles, alegando que também eram indígenas e que pertenciam ao povo Puruborá, que suas terras tradicionais iam inclusive além dos limites pleiteados pelos Uru Eu Wau Wau. Porém, o órgão indigenista negou a identidade desse povo, sob o argumento de que os Puruborá haviam sido extintos na década de 1940.
Em consequência da negativa da FUNAI, Dona Emília e todo o seu povo tiveram que sair da Terra Indígena Uru Eu Wau Wau. Como não tinham para onde ir, se dispersaram. Cada família foi para um canto. Dona Emília e sua família conseguiram comprar um pedacinho de terra ali por perto mesmo, em suas terras tradicionais, que haviam ficado fora dos limites da área dos Uru Eu Wau Wau.
Mesmo dispersos por toda a região do vale do Guaporé e sendo vistos como não indígenas, os Puruborá continuavam se sentindo como Puruborá e tinham o sonho de um dia se reagrupar, encontrar seus parentes, ter notícias de outros, saber onde estavam seus sobrinhos, seus netos, seus tios, inclusive tantos outros que já se foram e que só ficaram na memória dos mais velhos. Hoje eles já sabem que existem mais de 400 pessoas Puruborá.
Com o apoio do Conselho Indigenista Missionário-CIMI, em 2000, conseguiram fazer sua primeira assembléia. De lá pra cá, ano a ano o povo vem se reunindo. Agora, em 2007, de 10 a 12 de julho, ocorreu a VII Assembléia do povo Puruborá, onde o Conselho de Missão entre Índios – COMIN, esteve presente com assessoria jurídica. Todas as assembléias ocorreram na casa da Dona Emília, que hoje já não é mais um espaço individual dela, mas transformou-se numa aldeia. Aldeia Aperoy! Dona Emilia quer que essa aldeia cresça mais e não perde a oportunidade de convidar seus parentes a virem morar com ela.
A recuperação das terras
Hoje os Puruborá lutam pela recuperação de suas terras tradicionais. Apesar de já estarem muito devastadas pelos fazendeiros, que derrubaram a floresta para criação de gado, a terra dos Puruborá está ali, esperando por eles, para que eles a recuperem, deixem a floresta se regenerar e os rios e igarapés voltem a ter águas limpas e correntes. Ela é o lugar sagrado dos Puruborá. A memória de seus antepassados está em todo lugar. Será também o espaço de reagrupamento desse povo, que tanto sofreu pela discriminação, pela falta de terra, pela dispersão dos parentes. Será o lugar onde todos poderão morar juntos novamente, voltar a falar sua língua, produzir e reproduzir sua cultura coletivamente.
Felizmente, a FUNAI está corrigindo o seu erro, ainda que tardiamente. Determinou que um estudo antropológico de identificação da Terra Indígena Puruborá fosse feito. Até o final de 2007, a antropóloga contratada para fazer o trabalho deverá entregar seu relatório. Muitos conflitos com os ocupantes não indígenas, até com ameaças de morte, já surgiram e tendem a aumentar à medida que os Puruborá vão se organizando na luta por suas terras. Contudo, os sábios anciãos desse grupo, como Dona Emília, o Senhor Paulo e outros que restaram, com suas vozes mansas, mas firmes, saberão conduzir seu povo para que, com sabedoria e perseverança, reconquistem suas terras e voltem a viver bem enquanto povo Puruborá.