O II Seminário de Saberes da Cultura Kaingang culminou com as atividades relacionadas à Semana Internacional dos Povos Indígenas, comemorado anualmente em 09 de agosto, com o propósito de lembrar e garantir a preservação da cultura tradicional de cada um dos povos indígenas. Teve por objetivo refletir sobre a educação escolar e saberes da cultura Kaingang.
Promovido pelas escolas E.E.I.E.F. Bento Pĩ Gog, Mukej e Jẽtẽ Tẽm Ribeiro, COMIN e SESAI-Secretaria Especial de Saúde Indígena, o seminário foi realizado no dia 05 de agosto de 2016, no setor Três Soitas, Terra Indígena Guarita/RS. Contou com cerca de 100 pessoas: direções escolares, corpo docente e servidores/as das escolas indígenas, lideranças Kaingang e representantes do Conselho Escolar da 21ª CRE-Coordenadoria Regional de Educação, FUNAI-Fundação Nacional do Índio, SESAI, COMIN e Secretaria Municipal de Educação do município de Tenente Portela.
As assessorias convidadas visaram partilhar com a comunidade escolar da T.I. Guarita pesquisas e saberes abordados no âmbito acadêmico de graduação e pós-graduação por pesquisadores ou pesquisadoras indígenas e não indígenas. O seminário teve assessorias dos acadêmicos e das acadêmicas Celina Frizzo, Maria Inês de Freitas, Laísa Sales Ribeiro, Pedro Sales e Cleci Claudino, que desenvolveram temáticas voltadas à educação escolar Kaingang. Ressaltaram o bilinguismo e as suas variedades, o uso bilíngue na escola Kaingang, a cosmologia Kaingang e as perspectivas de futuro, bem como o pensamento dos kofa sobre educação e saúde, e o papel social da mulher Kaingang.
Compartilhando algumas reflexões, a educadora Gicelda Berguetti destacou: “A educação é um processo inacabado”, estamos em constante busca. Ela afirmou que o contexto influencia para que a mudança aconteça. Já a mestranda Celina Frizzo, argumentou que as mudanças alteram e recriam o conjunto de elementos culturais e a língua está neste contexto. O uso de duas línguas, ou seja, o bilinguismo acontece no contato entre línguas. As variedades linguísticas se afirmam no movimento e comunicação entre as pessoas e faz parte de seu cotidiano. Ela destaca ainda que o Brasil é um dos países mais multilíngues do mundo, porém reconhece como oficial uma só língua – a portuguesa. Hoje, no Brasil, o bilinguismo é promovido. Atualmente (dados do IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo 2010), 274 línguas indígenas são faladas no Brasil, 190 dessas estão em extinção e 26 são de imigração. É considerado um país progressista e ativo na questão da diversidade linguística.
A língua identifica e fortalece a cultura do povo. As políticas linguísticas que garantem melhores resultados são aquelas que partem da iniciativa do próprio grupo falante. O estudo da língua materna é muito amplo: é um conjunto de ações e vivências que perpassa vários elementos e saberes da cultura de um povo, envolve o cotidiano, as histórias de vida das pessoas, seus valores e crenças, as práticas culturais e a coletividade. Geralmente é a escola que tem o papel de ensinar alunos e alunas a ler e escrever a língua materna. A escola, entendida como comunidade, está preparada para este papel?
Pensando em comunidade escolar, faz-se outro pergunta: A escola hoje, como está constituída, constrói ou desconstrói os saberes da educação Kaingang? O professor indígena é um pesquisador: um pesquisador que sabe ouvir os sábios da comunidade. Como construir a cultura Kaingang diante do outro, da outra? Não se pensa a construção dos saberes individualmente, mas no coletivo, no diálogo cultural e intercultural.
A pedagogia Kaingang tem as suas particularidades. Os sabedores e as sabedoras – kofa – tinham e têm métodos para repassar os seus saberes de geração em geração. Mesmo durante o período de integração, os velhos/sábios continuam fazendo história, seja ela cantada, contada, vivida ou silenciada. É rico e necessário o intercâmbio entre pensamento tradicional indígena e o não indígena.
O canto e a dança Kaingang estão presentes no cotidiano escolar. O “Grupo de Dança Filhos da Terra” fez uma linda apresentação, destacando a “Lenda do Milho”, uma dança espiritual que elenca o papel do Cuiã na germinação da semente e o milho como alimento das comunidades indígenas.
Neste contexto de diálogo, está presente o papel da mulher Kaingang. Os ciclos de vida, o cuidado com os familiares e parentes, a educação, os alimentos, as vestimentas, as orientações políticas, culturais e religiosas permeiam os saberes da mulher. A mulher Kaingang tem um papel fundamental nas decisões da comunidade. Ela não aparece em público, nas reuniões ampliadas de lideranças, mas o seu aconselhamento ocorre junto ao homem Kaingang. “Na família Kaingang a cultura está viva”, acrescenta a assessora Cleci Claudino.
O II Seminário de Saberes da Cultura Kaingang possibilitou interação, reflexão e debates acerca da educação escolar indígena e reafirmou a importância da continuidade destes eventos na comunidade. O diálogo intercultural é uma ferramenta pedagógica para enriquecer e construir novos saberes e reafirmar a identidade do grupo.
Terra Indígena Guarita, 08 de agosto de 2016.
Redação: Noelí Teresinha Falcade/Assessora COMIN
Revisão: Equipe organizadora