MANIFESTO PÚBLICO
A Fundação Luterana de Diaconia, o Conselho de Missão Entre Povos Indígenas e o Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (FLD-COMIN-CAPA) vêm a público manifestar sua indignação aos dezesseis vetos exercidos pelo Presidente da República Jair Bolsonaro ao sancionar a Lei nº 14.021/2020, originada do Projeto de Lei (PL) nº 1.142/2020. O PL, aprovado quase que por unanimidade pelo Congresso Nacional, prevê um plano emergencial para o enfrentamento à COVID-19 entre os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Os vetos acentuam a postura de inumanidade, desprezo e falta de compromisso do Presidente com essas populações. “Ai de quem promulga leis injustas, de quem elabora decretos de opressão para desapossarem o povo de seus direitos e privar da sua justiça as pessoas pobres”, Isaías 10.1-2.
O acesso à água potável, o atendimento diferenciado na saúde, o fortalecimento do subsistema de saúde indígena, mecanismos facilitadores para o acesso aos auxílios emergenciais, garantia mínima de segurança alimentar e nutricional, um plano mínimo de contingência para povos em situação de isolamento, são exemplos de ações suprimidas e negadas aos povos indígenas, comunidades quilombolas e povos tradicionais, sob a frágil justificativa de ausência de indicação do impacto orçamentário e financeiro destas medidas. Tais vetos evidenciam o cerceamento e o desrespeito aos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988 para esses povos, enquanto cidadãs brasileiras e cidadãos brasileiros. Mais uma vez, negar o acesso a esses direitos demonstra o atual aparelhamento praticado pelo Poder Executivo, desvelando a violência e o racismo estrutural presente enquanto política de governo.
Outro agravante é a inserção, por parlamentares cristãos de um artigo que garante a permanência de missões de caráter proselitista em territórios indígenas. Lideranças têm denunciado o impacto negativo que resulta da presença destes grupos religiosos, como a cultura negacionista da doença, a distribuição de medicamentos, cuja eficácia não é comprovada, e a orientação de que indígenas os usem e a transmissão da COVID-19. Este artigo não foi retirado, mesmo diante da pressão e manifestação de organizações ecumênicas.
Os dados veiculados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) denunciam que a taxa de mortalidade pela COVID-19 entre os povos indígenas é de 9,6%, enquanto que na população brasileira em geral é de 5,6%. Ainda, de acordo com a apuração da APIB, o número de contágios é superior a 12.000 indígenas, com quase 500 mortes, afetando mais de 120 povos de todas as regiões do Brasil.
A Lei nº 14.021/2020, publicada no Diário Oficial da União em 08 de julho de 2020, descaracteriza e, consequentemente, desmonta o Projeto de Lei nº 1.142/2020, comprometendo o plano originalmente proposto de enfrentamento aos impactos da pandemia, nos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.
No mesmo dia em que ocorreu a publicação da Lei com os vetos, o Ministro Luís Roberto Barroso, relator no Supremo Tribunal Federal de ação judicial proposta pela APIB e por seis partidos políticos sobre o tema, determinou em decisão liminar que o Governo Federal estabeleça medidas de proteção para evitar outras mortes pela COVID-19 nas comunidades indígenas, reforçando a gravidade da situação e a necessidade urgente de um plano governamental de enfrentamento à COVID-19 junto a esses povos.
A FLD-COMIN-CAPA manifesta apoio e solidariedade irrestrita aos povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais e se soma ao movimento de repúdio para que os vetos sejam imediatamente derrubados pelo Congresso Nacional.