Na manhã de ontem (06), na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, indígenas Guarani e Kaingang participaram da apresentação do Relatório Antropológico, Histórico e Arqueológico Circunstanciado sobre a retomada Yjerê do Arado Velho, localizada no bairro Belém Novo, em Porto Alegre (RS), e ocupada por famílias Mbya Guarani. O documento atesta a presença Guarani no território original onde surgiu a cidade de Porto Alegre e resgata o sentido de mobilidade do povo Mbya Guarani e o entendimento da terra como um espaço de preservação da ancestralidade e de seu modo de vida, não como propriedade.
A comunidade Mbya Guarani que vive na Ponta do Arado retomou a área há cerca de um ano e meio. Além das condições precárias, a comunidade vem sofrendo com ataques e ameaças por se encontrar por força de decisão judicial em disputa com a Arado Empreendimentos Imobiliários S.A.. Em abril deste ano, pessoas armadas que prestam serviço de segurança privada ao grupo de construção civil ameaçaram a comunidade de morte e a Justiça tentou impedir a presença de pessoas apoiadoras no local, sem sucesso.
O estudo foi solicitado pelo Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPI) e realizado pelo Laboratório de Arqueologia e Etnologia (LAE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A apresentação do relatório foi feita pelo etnoarqueólogo e coordenador LAE e do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros, Indígenas e Africanos (NEAB) da UFRGS, José Otávio Catafesto de Souza, acompanhado da acadêmica em Ciências Sociais da UFRGS e pesquisadora do LAE, Carmen Lúcia Guardiola, e do historiador e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, Rafael Frizzo. Catafesto frisou que a ocupação da comunidade Mbya Guarani na Ponta do Arado não é um assentamento e sim uma retomada, já que esse é um local tradicionalmente Guarani.
Após fazer uma fala em Guarani, o cacique Timóteo Oliveira, da comunidade Mbya Guarani Ponta do Arado, lembrou que Nhanderu criou o povo Guarani para viver à vontade e, por isso, as pessoas Guarani querem seu pedaço de terra para viver e poder plantar. Timóteo afirmou também que o povo Guarani sofreu muito depois da invasão de 1500 e ter seu território de volta nada mais é do que um direito que já devia ter sido cumprido. “O português não esperou quando chegou aqui, porque agora temos que esperar?”, questionou.
Cirilo Morinico, cacique da comunidade Guarani Mbya da Lomba do Pinheiro, disse que a luta indígena pelas retomadas não para, “porque a terra é sagrada para nós e, por isso, queremos espaço para viver do nosso modo de vida, nossa língua e tradições”. Se dizendo emocionado, o cacique ressaltou que os povos indígenas não estão pedindo nenhum favor, e sim aquilo que já está reconhecido na Constituição Federal. Felipe da Silva, da comunidade Kaingang da Lomba do Pinheiro, também presente na apresentação, afirmou que o governo nunca ajudou os povos indígenas e que as pessoas não indígenas precisam saber que são esses povos são os verdadeiros donos do Brasil.
A reunião foi conduzida pelo deputado Jeferson Fernandes (PT) e contou também com a presença de representantes de órgãos indigenistas e de pessoas que acompanham a luta indígena, além das deputadas Sofia Cavedon (PT) e Luciana Genro (PSOL). Ao final, a socióloga da Divisão Indígena da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr), Márcia Londero, e o procurador do Estado, Silvio Guido Fioravanti Jardim, propuseram novas reuniões para tratar políticas relacionadas aos direitos dos povos indígenas.
Encaminhamentos
O relatório traz uma síntese de encaminhamentos sugeridos, como a imediata suspensão da decisão de reintegração de posse em favor da Arado Empreendimentos Imobiliários; a suspensão imediata da repressão policial e para-militar exercida por agentes de segurança privada contra o livre trânsito das pessoas Mbya Guarani pela orla do Guaíba até Belém Novo; e a retirada urgente da cerca de arame que confina as famílias indígenas a um pequeno espaço de moradia e liberação da água existente na Ponta do Arado para uso doméstico da comunidade.
O trabalho recomenda também que a Justiça reverta em réus a Arados Empreendimento Imobiliários e a empresa de vigilância privada por ela contratada, instalando diligência que investigue os atos de coação, de intimidação, de violência e de impedimento do direito de ir-e-vir praticado sobre as pessoas indígenas e não indígenas no local; assim como intimide o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) a assumir a completa garantia de salvaguarda de todos os sítios e vestígios arqueológicos existentes na Ponta do Arado e que o Ministério Público ou a Defensoria Pública mova Ação Civil Pública a fim de averiguar a possibilidade de Impacto Ambiental Severo e Irreparável executado pela Arado Empreendimentos Imobiliários contra o meio ambiente e contra a comunidade Mbya Guarani.