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“Que atuação queremos?” Seminário do COMIN debate superação da colonialidade no trabalho com os povos indígenas

“Que atuação queremos?” Seminário do COMIN debate superação da colonialidade no trabalho com os povos indígenas
29 de outubro de 2019 zweiarts

Ainda vivemos em uma sociedade colonial? O que é decolonialidade e interculturalidade? Como deve ser a atuação profissional com os povos indígenas? Esses foram alguns questionamentos que permearam o Seminário de Formação Interna 2019 do COMIN. Com o tema “(De)colonialidades: que atuação queremos?”, o encontro aconteceu nos dias 22 e 23 de outubro, em Porto Alegre (RS), e contou com a assessoria de Aline Ngrenhtabare Lopes Kayapó, Edson Kayapó e Rodrigo Mariano.

No primeiro dia, após uma dinâmica de apresentação, em que as participantes e os participantes do encontro desenharam flechas nos crachás umas das outras e uns dos outros – simbolizando o objetivo do seminário apontar para uma determinada direção –, o grupo circulou por diferentes estações de percepção que fizeram refletir sobre o processo colonizador imposto aos povos indígenas, os preconceitos sofridos diariamente por pessoas indígenas e como as culturas dos povos indígenas contribuíram e contribuem no cotidiano e costumes das pessoas não indígenas.

Durante o restante do dia, a assessoria debateu os temas “Na história, nas pessoas, no direito… onde sentimos o colonial?” e “Colonialidade, colonialismo, decolonialidade… afinal, o que se quer dizer?” – momento em que foram apresentados os conceitos de “colonização”, “colonialismo”, “colonialidade” e “interculturalidade”, além dos principais pesquisadores sobre o assunto, mitos construídos pela modernidade eurocêntrica em relação aos povos indígenas e alternativas teóricas para a libertação dos povos subalternizados.

Rodrigo Mariano, indígena Guarani Mbya da comunidade Tekoa Ka’aguy Porã, Terra Indígena Guarita (Erval Seco/RS), e estudante do curso de Direito na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), ressaltou que a colonialidade ainda existe e se manifesta de diversas formas. “Nesses 519 anos, fomos colônia e continuamos sendo, principalmente em relação aos povos indígenas. Genocídio, extermínio, outras culturas querendo se impor na tentativa de nos inserir em outra lógica: foram várias tentativas de apagar toda a nossa existência e conhecimentos tradicionais”, disse.

Como exemplo de colonialidade nos dias atuais, o estudante trouxe a vivência de estar em um espaço universitário, ocupado majoritariamente por pessoas não indígenas. “Querem colonizar também nosso pensamento, como se existisse apenas uma forma de pensar. Somos impedidos de levar para os cursos a nossa visão como povo indígena, não há abertura para outras discussões na academia”, reiterou. Edson Kayapó, liderança e ativista do movimento indígena e docente no Instituto Federal da Bahia (IFBA) campus Porto Seguro e no Programa de Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnico-Raciais da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), lembrou que a história do Brasil foi e é ensinada através de uma visão colonial. “O que conhecemos sobre o país é uma versão hegemônica criada dentro da academia, a qual afirma que tudo começou em 1500 e apenas são lembrados nomes de homens brancos. Não se considera a diversidade linguística e de povos indígenas que aqui viviam. Mas, como dizem nossos ancestrais, sempre estivemos aqui, estamos e estaremos”, ressaltou.

Rodrigo afirmou que é preciso superar os parâmetros coloniais a partir da vivência daquelas e daqueles que sempre estiveram em posição de submissão. “Aos poucos, se começa a perceber que é necessária outra atuação em relação aos povos indígenas: não de assistência, mas que legitime as crenças e culturas dos povos”, ressaltou. Para ele, a articulação dos povos indígenas foi muito importante para obter conquistas significativas, como o artigo 231 da Constituição Federal de 1988 – o qual rompeu com a lógica da tutela indígena e reconheceu a organização social, os costumes, línguas, crenças e tradições dos povos indígenas, além do direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

Reiterando o pensamento, Edson disse acreditar que é possível superar a visão eurocêntrica e o padrão hegemônico imposto pela colonialidade através de um diálogo intercultural que seja crítico. “Estamos aqui desde tempos imemoriais. Esse é o momento de audibilidade e visibilidade dos grupos que estão silenciados, mas é preciso que ele aconteça com protagonismo e um novo posicionamento político e acadêmico. Vejo uma possibilidade potencial de avançarmos em termos políticos com nossas alianças que dá otimismo e força. Não basta constatar que somos diversos, é preciso repensar o caminho”, frisou. O líder indígena sinalizou que os povos originários estão cada vez mais fortalecidos, apenas da atual conjuntura: “Passamos no dia a dia por preconceitos das formas mais diversas. Mas nosso povo está aumentando e as línguas estão sendo fortalecidas”.

Aline Ngrenhtabare Lopes Kayapó, escritora e ativista dos movimentos das mulheres e dos direitos dos povos indígenas, lembrou que a interculturalidade sempre ocorreu entre os diferentes povos indígenas e ainda é muito presente. “A presença colonizadora foi muito depois, já tínhamos relações. A palavra interculturalidade surgiu depois, mas é muito antiga para nós”, disse. Para ela, a prática decolonial deve partir da sociedade não indígena. “Decolonialidade já fazemos há séculos, por isso quem deve fazê-la agora não são os indígenas e sim quem colonizou. A sociedade está decadente e seguirá assim enquanto não ouvir os povos indígenas e nós nos propomos a um diálogo respeitoso, coerente e cheio de amor”, garantiu.

A assessora do encontro afirmou que a forma violenta com que trataram e ainda tratam os povos indígenas faz com que esses povos tenham dificuldade de se enxergarem como pessoas brasileiras. “Sempre foi nos podada a voz. Não nos apoderamos da bandeira do Estado porque ele é muito opressor. Somos seres exportadores de paz e poderíamos ter vivido com os colonizadores com tranquilidade, se não fosse a forma como eles chegaram”, disse.

Por uma atuação não colonial

O segundo dia do seminário foi dedicado para se pensar que tipo de atuação o grupo FLD-COMIN-CAPA quer ter em relação aos povos indígenas. Inicialmente, para representar a perda de território e a violência que os povos indígenas sofreram e sofrem com o colonialismo, o grupo simbolizou a invasão dos povos europeus em 1500 com uma dinâmica. Através de um desenho do mapa do Brasil colocado no chão, primeiramente as pessoas indígenas pisaram em cima de onde seriam seus territórios e, aos poucos, as pessoas não indígenas foram chegando e ocupando espaços no mapa. O grupo refletiu, então, que hoje há formas tão perversas de colonialismo quanto antigamente.

Logo após, as participantes e os participantes do encontro dividiram-se em grupos liderados pela assessoria do evento para tratar sobre atuação com povos indígenas. Os temas dos grupos foram: “Sustentabilidade? Auto determinação, cidadania e direitos” com Aline, “Formação com indígenas e movimento indígena” com Rodrigo e “Produção de material para não indígenas” com Edson.

Ao retornarem para socializar as discussões, o grupo que tratou sobre auto determinação, cidadania e direitos frisou a necessidade de se pensar em instrumentos estratégicos para ocupar os espaços públicos e a importância das pessoas indígenas serem protagonistas e terem a espiritualidade e ancestralidade como bases. Também disseram sobre repensar a ideia de sustentabilidade, já que esta é uma palavra que vem da lógica desenvolvimentista e de um não real envolvimento, e que a agroecologia deve respeitar a soberania alimentar.

O grupo que discutiu sobre formação indígena afirmou que é preciso que se reconheça as mulheres como lideranças, que se faça formação com a juventude e que haja protagonismo indígena nos espaços. Essas formações, de acordo com o grupo, devem ser construídas com muito diálogo e trabalho em conjunto, facilitando a compreensão do direito para se pensar instrumentos e estratégias. Por fim, o grupo que tratou da produção de materiais mostrou que as formações com docentes e parcerias com universidades são muito importantes para a visibilidade dos povos indígenas e que a elaboração de materiais deve fugir de uma lógica vitimista, romântica e trágica, levando sempre em conta o protagonismo indígena, a diversidade de povos e a ideia de que existe uma história indígena antes de 1500.

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