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“Destruir a floresta é como destruir uma parte de nós”

“Destruir a floresta é como destruir uma parte de nós”
5 de setembro de 2019 zweiarts

“O desmatamento traz muitos prejuízos para nós, pois precisamos dos recursos naturais da floresta para a nossa vida. A floresta é nossa mãe, ela nos dá tudo o que precisamos: alimentos, frutos, remédios medicinais, materiais para o artesanato, materiais para construirmos nossas casas e ainda protege nossas fontes de água. Destruir a floresta é como destruir uma parte de nós. Sem ela, não tem como vivermos.”

O depoimento de Marli Peme Arara, professora da aldeia Iterap, Terra Indígena (TI) Igarapé Lourdes, localizada em JI-Paraná (RO), retrata a preocupação e a vulnerabilidade dos povos indígenas diante do cenário de ataques à Região Amazônica. Marcada por altos índices de desmatamento nos últimos anos, a Amazônia vem sofrendo com severas queimadas que ganharam repercussão internacional no último mês.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) revelaram que o desmatamento na Amazônia Legal, até o mês de julho deste ano, foi 278% maior do que o registrado no mesmo período do ano anterior. Após desmatar, é preciso limpar o terreno com fogo – gerando, assim, as queimadas. Além da prática, no dia 10 de agosto, um grupo de ruralistas da Região Amazônica decretou o “Dia do Fogo”, coordenando a queima de pasto em áreas em processo de desmate próximo às margens da BR-163, na região de Altamira, no Pará, o que corroborou para o aumento dos focos de incêndio.

Queimadas chegam às Terras Indígenas

Xãnupa Apurinã, da TI Camicuã, localizada em Boca do Acre (AM), confirma que, mesmo com a legislação vigente e a fiscalização, a cultura das queimadas para pasto, roçados ou até queima de lixo é frequente na região norte do país, principalmente nessa época do ano. Para ela, no entanto, a prática, esse ano, parece ter aumentado devido às questões políticas. Ela lamenta que o fato tenha apenas ganhado repercussão agora. “Queimadas acidentais ou criminosas, só agora as pessoas estão tomando consciência de um problema que combatemos todos os anos. Foi preciso a fumaça chegar no sul para o povo (re)lembrar que precisamos proteger nossas florestas”, disse.

Em agosto, os incêndios na Amazônia queimaram 29.944 km² do bioma, uma área quatro vezes maior do que a registrada no mesmo mês em 2018, quando foi registrada a queima de 6.048 km² pelo INPE. Dados do instituto mostraram ainda que, entre janeiro e 19 de agosto deste ano, o Brasil registrou um aumento de 83% das queimadas em relação ao mesmo período de 2018, contabilizando mais de 72 mil focos de incêndios. Além das consequências imediatas desses números, como a densa e permanente fumaça que encobriu, por vários dias, parte das cidades dos estados do Amazonas, Mato Grosso e Rondônia, dentre outros, afetando a qualidade do ar, os incêndios causam a perda da flora e da fauna da região.

A professora e liderança indígena de Guarajá Mirim (RO), Maria Eva Canoé, lembra ainda que as queimadas causam um dano incalculável aos povos indígenas, atentando contra suas vidas e seus direitos, pois “sem terra, sem água potável e sem a floresta não podemos viver com dignidade”. Por isso, considera que essa é uma prática criminosa e que as pessoas culpadas devem ser punidas. “Não somos nós, povos indígenas, que estamos destruindo a nossa Amazônia e a nossa Rondônia, porque não somos nós que tocamos fogo. As pessoas que falam tanto de progresso devem criam um progresso sem destruir. Um progresso que tenha vida e essa vida seja para todos e não para meia dúzia que detém o poder”, ressaltou.

Levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) mostrou que, ao todo, houve 3.553 focos de calor em 148 Terras Indígenas (TI’s) da Amazônia de 20 de julho a 20 de agosto deste ano. As dez mais afetadas pelos incêndios estão no Mato Grosso, Pará e Tocantins.

Governo rechaça dados

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) questionou a veracidade dos dados do INPE sobre o aumento do desmatamento na Região Amazônica assim que os primeiros alertas foram emitidos e afirmou que os números prejudicariam a imagem do país. O episódio culminou na exoneração do então diretor Ricardo Galvão. Com a política ambiental do governo brasileiro, países como a Alemanha e a Noruega chegaram a suspender repasses para ações ambientais no Brasil.

Francisco Ferreira Apurinã, da TI Katipari Mamuria, município de Pauini (AM), acredita que os ataques à Amazônia são encorajados pelo governo atual, por estar focado nas questões do agronegócio e ver a região como uma fonte de exploração. “Hoje a gente tem um governo que, infelizmente, incentiva o desmatamento na Amazônia. Pensa no lucro, no acúmulo de bens e de recursos e não no que a Amazônia ou a mata tem a nos oferecer, que é muito mais do que isso. Não se preocupa com o bem estar das pessoas que ali moram e utilizam a mata como fonte de sobrevivência da sua família, do seu povo”, reiterou. Para ele, é preciso que todas e todos se unam para salvar o que ainda resta da Amazônia, fazendo um trabalho de conscientização ao não desmatamento em parceria com as Organizações não Governamentais (ONG’s).

Logo que começou a repercussão negativa em torno das queimadas, Bolsonaro chegou a insinuar que ONG’S com atuação na proteção ambiental estariam envolvidas nos incêndios ilegais, criminalizando as organizações da sociedade civil. O COMIN, juntamente de outras 17 ONG’s do país, assinou nota da Abong – Organizações em Defesa dos Direitos e Bens Comuns, repudiando as declarações do presidente.

Fotos: Victor Moriyama/Greepeace

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