O justo toma conhecimento da causa dos pobres,
mas o ímpio não tem entendimento para conhecer.
Provérbios 29.7
Em um encontro, no qual também estavam mulheres luteranas, uma participante disse: “É preciso sair de nossos espaços e ir ao encontro da outra pessoa e alimentar-se de saberes e sabores distintos”. Esta fala pode parecer estranha ao pensamento de quem acredita que já sabe tudo e, com isso, em verdade, perde a oportunidade de conhecer e aprender com as diferenças de outras culturas. O desafio de ir e se encontrar com a outra pessoa, experimentar outras situações e realidades, permite reconhecer que há outros saberes, diferentes dos que já se conhecem. Neste momento, a pessoa aprende e se sensibiliza para outros saberes e sabores. A afirmação acima foi de uma mulher Kaingang, durante atividade do intercâmbio entre grupos de mulheres da OASE-Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas e mulheres indígenas da Terra Indígena Guarita, localizada nos municípios de Tenente Portela, Redentora e Erval Seco, na região noroeste do Rio Grande do Sul.
A oportunidade de intercâmbio permite que se revejam aprendizados e conceitos, na perspectiva de valorizar, conhecer e respeitar as diferenças, criando pontes na diversidade. É a oportunidade para que mulheres indígenas e mulheres luteranas apresentem suas realidades e reflitam sobre o seu cotidiano. Compreendem, por exemplo, que a tradição da arte de trançar pode ser uma fonte de renda, mas também é uma maneira de manter as culturas vivas. Cada grupo tem os seus saberes, suas experiências de trabalho, mas a essência e o significado perpassam as tranças, pontos, as cores dos fios de linha, os tecidos, a taquara, os cipós, sementes, miçangas, dando forma às peças artesanais de diferentes saberes. Enquanto uma mulher indígena faz um cesto, uma mulher luterana faz um crochê. Esta experiência enriquece os grupos e contribui para aproximar, conhecer e respeitar a diversidade da criação. Além de fortalecer a identidade cultural, enriquece o aprendizado das participantes.
Este é o propósito ao se promover o Intercâmbio Intercultural de Saberes e Sabores entre os grupos de mulheres indígenas e grupos de OASE. Os encontros foram realizados em algumas comunidades do Sínodo Noroeste Riograndense, no período recente. O Intercâmbio é espaço para colocar-se a caminho, conhecer, aprender e conviver, ampliando os saberes e os sabores entre as mulheres. Assim, se redescobre as semelhanças entre as criaturas, mesmo de culturas e saberes diferentes. O Intercâmbio é momento para a partilha e a troca, mas também para o debate diante do aprendizado de temas comuns entre as mulheres.
O intercâmbio intercultural é estimulado pelo Conselho de Missão entre Povos Indígenas – COMIN. O COMIN apoia povos indígenas na região amazônica e no sul do Brasil, visando à promoção dos direitos humanos, sustentabilidade socioambiental e diálogo intercultural e inter-religioso. A partir da interação com os povos indígenas, o COMIN se nutre de muitos impulsos e reflexões, que compartilha em diferentes espaços na IECLB e na sociedade brasileira, no intuito de construir um mundo mais justo e sustentável, respeitando a pluralidade e diversidade dos povos. A promoção do diálogo e do respeito, na diversidade da criação divina, possibilita revigorar e socializar experiências culturais e o cuidado da vida humana. As diferenças culturais e a diversidade de saberes enriquecem o testemunho e o serviço da fé cristã.
No ano de 2017 se completam 35 anos de criação do COMIN como espaço de assessoria para as questões relativas aos povos indígenas na IECLB e a promoção do diálogo respeitoso entre as diferentes culturas. Por vezes, esta disposição ao testemunho e serviço foi abalada e questionada, como na expulsão da ação missionária e diaconal na Terra Indígena Guarita, em meados da década de 1980, no Rio Grande do Sul. Contudo, o episódio contribuiu para a persistência da ação do COMIN na convivência e no respeito entre as diferenças, reconhecendo a outra pessoa ou cultura enquanto totalmente outra. A partir daí se fortaleceu o compromisso em favor do convívio e do diálogo, na própria cultura (dos povos indígenas) e na inter-relação com a sociedade em geral. O diálogo não é uma tarefa que, em algum momento, se conclui, mas está em constante construção.
Os encontros do Intercâmbio evidenciam esta construção, pois oportunizam uma mudança da realidade de estranhamento, distância e pre(-)conceito, para uma realidade de aproximação e aprendizado mútuo. O COMIN, nestes 35 anos, entende que a fé luterana é uma fé que liberta, compromete e se dispõe ao diálogo. Agentes desta mudança são as comunidades indígenas, os grupos de mulheres e quem mais quiser se abrir ao diálogo e conhecer outros saberes e sabores, como o enunciado do livro de Provérbios revela. O COMIN é entidade de acompanhamento solidário nesta busca. Quando se vislumbra que o diálogo é possível, também se agrega o aprendizado e o respeito mútuos. Possibilita-se uma diversidade reconciliada, pressuposto para uma sociedade multiétnica e pluricultural, já existente no Brasil, e também uma sociedade mais justa, igualitária e condizente com o Evangelho, ainda por construir plenamente.