Em um breve passeio pela área central de diversas cidades da região metropolitana de Porto Alegre/RS, você facilmente encontrará um indígena vendendo seu artesanato, seja em Porto Alegre mesmo, Canoas, nas cidades dos Vales dos Sinos, Caí ou Taquari. A presença indígena, especialmente Kaingang e Guarani, é evidente e a venda de seu artesanato traz visibilidade a estes povos, tantas vezes postos à margem. Alguns montam tendas, outros sentam nas praças ou estendem panos no chão. Cestas, balaios, bichinhos de madeira, colares, casinhas para pássaros, filtros dos sonhos… Para os Kaingang, artesanato é símbolo de resistência!
O artesanato indígena é hoje a principal fonte de renda deste povo, a partir do qual garante sua sobrevivência. Mas para confeccioná-lo, muitas vezes os Kaingang precisam percorrer longas distâncias em busca da taquara e do cipó. A mata nativa, onde há cipó em abundância, está cada vez mais escassa. “Onde tem eucalipto, não tem cipó”, já dizia o sábio Kaingang. Quando se localiza a matéria-prima, ainda é preciso negociar com quem se diz dono do território, mostrando que a coleta feita pelos indígenas é sustentável e não prejudica a planta. Depois da coleta, o desafio é o transporte. Com sorte, o motorista do ônibus aceita transportar o material, sempre pesado e com grande volume, sem maiores problemas. De volta à terra indígena, se prepara a matéria-prima e se faz o artesanato.
O processo de fazer o artesanato não envolve apenas saber construí-lo, mas também entender seu significado. Em um balaio de taquara, por exemplo, é preciso saber as cores que se usa, e o “desenho” da trama expressa uma marca. Essa marca diz quem eu sou no mundo. Muito além da produção em massa, o artesanato Kaingang é instrumento para reforçar sua identidade. Com o artesanato pronto, os indígenas partem para as cidades, a fim de vendê-lo. Na venda, enfrentam os olhares preconceituosos e os fiscais municipais, que muitas vezes não conhecem os direitos indígenas. Argumentam, mostram a lei e resistem nessa luta!
As crianças acompanham todo o processo, aprendem a fazer de forma empírica. Com isso, acabam aprendendo não somente como se trama um balaio, mas também a respeitar a natureza, preparar a matéria-prima, entender a importância de sua marca, negociar o transporte, lidar com o dinheiro, fazer contas, se virar em meio à cidade. Crianças Kaingang sabem, desde cedo, que o artesanato é um valor de seu povo, algo para se orgulhar.
Superar todas as adversidades relatadas e manter o artesanato vivo e pungente nas terras indígenas e nas ruas das cidades é um desafio que vem sendo vencido pelos Kaingang. A sabedoria desse povo é ancestral e talvez essa seja a explicação para tanta resistência, afinal estamos falando de um dos povos que resistem a invasões há 517 anos!