Com sua nascente no Peru e desembocando em Boca do Acre/AM, no encontro com o Rio Purus, o rio Acre está devastado e desmatado. No rio Purus, que tem sua nascente também no Peru, a situação não é diferente. A cada ano, a proporção de águas que descem desses rios para as cidades banhadas por eles, tem sido maiores e cada vez mais devastadoras. Em Rio Branco, capital do Acre, é comum vermos todos os dias toras e mais toras de madeira, todas com o selo verde, passando pelas avenidas. É comum também nos depararmos com a reação da população, que se manifesta de forma omissa diante desse cotidiano, no qual árvores centenárias da floresta estão seguindo viagem para a China.
Em 2015, segundo informações do Ministério da Integração Nacional, a enchente superou a de 1997, atingindo mais de 11 mil famílias somente no Acre, chegando ao número de nove municípios diretamente afetados: Rio Branco (capital), Brasileia, Xapuri, Tarauacá, Feijó, Epitaciolândia, Porto Acre, Assis Brasil e Sena Madureira. Nos municípios de Assis Brasil, Feijó, Tarauacá, Sena Madureira e Rio Branco, vários povos indígenas foram afetados: Huni Kui, Jaminawa, Manchinery e Yawanawá. Entre eles, de forma especial, o povo Jaminawa da comunidade São Paulino, que vive entre os municípios de Sena Madureira/AC e Boca do Acre/AM. Estão em uma situação extremamente delicada, pois não tem água potável. As águas dos igapós se misturaram com a água do único igarapé da aldeia e o contaminou, por isso estão sem água potável e a comunidade já foi atingida com um número assustador de casos de vômito e diarreia.
Há mais de 20 anos, os Jaminawa lutam pela Terra Indígena São Paulino. Ela é considerada recém-conquistada e até 2014 era propriedade de um grupo de fazendeiros. Por ordem judicial, eles tiveram que sair da terra do povo Jaminawa, a fim de que esta fosse demarcada e homologada. Infelizmente, por omissão dos órgãos competentes e, em especial, por omissão da FUNAI, esse grupo de fazendeiros se organizou e retomou as terras novamente, descumprindo a lei e o mandato da Procuradoria Federal do Amazonas (PF/AM) e da Advocacia Geral da União (AGU).
Diante disso, o povo Jaminawa vive à beira do rio Purus, sem poder subir para terra firme e, assim, afastar-se de inundações. Constantemente estão sendo ameaçados pelos jagunços dos fazendeiros. Além disso, não podem caçar em suas próprias terras, devido a estas ameaças; estão sem água potável e perderam todas as suas plantações (milho, macaxeira, banana, abacaxi, inhame e cará). Em março de 2014, o COMIN esteve na TI São Paulino e presenciou o total descaso por parte dos órgãos competentes. Em 2015, a mesma história se repete. A aldeia São Paulino fica a cerca de 50 minutos de barco da cidade de Sena Madureira. Nela existem 23 famílias e seu cacique é Francisco Jaminawa.
Segue um link com o vídeo da enchente de 2014, que afetou o povo Jaminawa. Com as águas de 2015, tiveram ainda maiores perdas e danos: http://racismoambiental.net.br/2014/02/15/ac-enchente-do-purus-na-aldeia-sao-paulino-em-sena-madureira-atinge-povo-jaminawa/. Há casas nas quais somente se consegue chegar, usando um barco. Em algumas delas, a água já invadiu tudo e as famílias tiveram que sair.
No sul do Amazonas, na fronteira com o Acre, foram atingidos os municípios de Boca do Acre e Pauini. Em Pauini/AM, 17 comunidades do povo Apurinã sofrem com as inundações: Jagunço II, Boa União, Vera Cruz, Maripuã, São Raimundo, Nova Floresta, Kasiry, São Benedito, São José Tacaquiri, Morada Nova, Sãkuã, Santa Vitória, Guajarãrã, São Jerônimo, Kakuri, Santo Antônio do Catipari, Karua. O poder público, junto com suas secretarias estaduais e municipais, está realizando uma grande operação com as populações e famílias atingidas pela enchente e que se encontram nas cidades e locais mais próximos. Infelizmente sabemos que, quando se trata de povos indígenas, os direitos passam a ser desiguais. As comunidades de povos indígenas afetadas pela enchente ficam à mercê da sorte e sofrem com a omissão dos órgãos competentes.
Outra questão de extrema desigualdade é a mídia, que somente se preocupa em dar mais visibilidade às pessoas atingidas pelas enchentes que vivem nas cidades. Os povos indígenas afetados seriam completamente esquecidos, se não fosse a divulgação de sua situação por outros meios de comunicação e mídia, que trabalham junto a entidades de movimentos sociais. Diante de toda essa situação de grandes catástrofes que vem acontecendo ano após ano, o COMIN pretende realizar uma oficina com o tema “As enchentes e seus impactos sobre os povos tradicionais”. Seu objetivo é melhor informar essas populações diretamente afetadas, que perdem suas plantações, suas criações de animais, suas casas e principalmente sua dignidade, decorrente de um progresso irresponsável, que mata e destrói, dando lucro para poucos e gerando dor e desespero para muitos, sejam eles populações urbanas, rurais ou indígenas.
Ana Patrícia Chaves Ferreira
Assessora do COMIN-Acre e sul do Amazonas.
Você pode ajudar
Além dos projetos de resposta à emergência, o COMIN lançou, junto com a Fundação Luterana de Diaconia, uma campanha de arrecadação financeira para a compra de cestas básicas e água potável. Abaixo, os dados bancários para o depósito:
ISAEC DAI FSI
Banco Santander S/A
Ag. 3421
Conta corrente: 13.000516-8
Fundação Luterana de Diaconia
Banco do Brasil
Ag 010-8
Conta corrente: 14118-6