O COMIN realizou um seminário aberto sobre o tema da IECLB “ViDas em Comunhão”, apoiado pelo Lema bíblico: Procurai a paz da cidade para onde vos desterrei e orai por ela ao Senhor, porque na sua paz vós tereis paz (Jeremias 29.7), numa perspectiva bíblico-teológica e indígena. Como assessores, palestraram o P. Dr. Carlos Dreher e o Cineasta Guarani do Projeto Vídeo nas Aldeias, Ariel Ortega (foto) da região das Missões.
Muito diferente das cidades de hoje, a cidade na Bíblia é uma coxilha fortificada, onde moram o rei, os funcionários da corte e o exército, os funcionários da religião e os comerciantes. A cidade vive da exploração do campo, ao seu redor, através da cobrança de tributos. Sua formação está vinculada ao processo de passagem de uma sociedade tribal para uma sociedade de Estado.
A Bíblia tem uma postura muito crítica a essa cidade. Os profetas em geral nada lhe concedem de bom. Nessa mesma tradição, Jesus diz “Ais!” sobre as cidades e chora sobre Jerusalém. No Apocalipse se projeta a cidade de paz e justiça, a Nova Jerusalém que desce do céu. Nela não há necessidade de muros e nela também não há templo.
Uma abordagem completamente diferente veio do cineasta indígena Ariel Ortega que exibiu o documentário de 2008 – “Duas aldeias: uma caminhada” –, produção que mostra a realidade do povo Guarani em Porto Alegre e em São Miguel das Missões. Na película, o cineasta revelou que a diminuição drástica da floresta e dos rios impede os índios de caçar e pescar, obrigando-os a depender da venda de artesanato nas ruas da cidade.
Diretor do coletivo Mbyá Guarani de Cinema, Ortega iniciou sua trajetória em 2007 após ter sido contemplado por edital do Ministério da Cultura. Seu trabalho mais recente – “Bicicletas de Nhanderu” (Bicicleta dos Deuses) – aborda a espiritualidade Guarani a partir da perspectiva de um ancião.
“A cidade corresponde a uma realidade estranha para os povos da floresta”, afirmou o professor da aldeia Ikolen, em Rondônia, Zacarias Kapiar Gavião que, nos dias 28 e 29 de maio, participou do seminário, promovido pelo Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN/IECLB) em parceria com a EST e a Fundação Luterana de Diaconia (FLD).
Em entrevista à assessoria de imprensa da EST, Gavião relatou que a cidade costuma gerar, pelo menos num primeiro momento, certo fascínio por seus grandes prédios, shoppings, carros e aeroportos. “Logo a gente aprende que tudo aquilo não está ao nosso alcance e não faz parte da nossa cultura”, relatou.
Ao descrever a experiência de morar e estudar na capital de Rondônia, Porto Velho, Gavião disse que o seu apartamento era protegido com grades de ferro em todas as janelas. Além disso, o porteiro do prédio o advertia diariamente sobre os perigos de sair para rua à noite e comentava sobre casos de violência protagonizados em bairros próximos. “Não demorou para eu perceber que aquela era uma vida que não gostaria de ter”, destacou.
Na avaliação de Gavião, a aldeia indígena representa um lugar onde as pessoas podem usufruir efetivamente da sua liberdade, um lugar que convida ao olhar no olho do outro, um lugar onde as pessoas se conhecem, se cumprimentam e vivem em constante interação. “Na cidade tudo é controlado, as coisas todas são industrializadas e as pessoas não olham para você, elas simplesmente não te enxergam ou, quando olham, parecem assustadas”, desabafou.
Cacica Guarani da Aldeia Gengibre da Terra Indígena do Guarita, em Erval Seco, Teresa Fernandes compartilha das ideias de Gavião e também considera a aldeia um lugar onde, efetivamente, se pode viver em liberdade. “Na aldeia a gente acorda, prepara o chimarrão, senta ao redor do fogo, e os avós dão conselhos aos seus filhos e netos”, descreveu.
Ao longo do dia, disse Teresa, os homens saem para caçar e pescar enquanto as mulheres preparam as refeições, principalmente a batata, a mandioca e o peixe. Se na aldeia as pessoas se conhecem, relatou a cacica, nas cidades existem muitas pessoas que compartilham um mesmo lugar, mas que não se conhecem.
A Coordenadora Pastoral e Programática do COMIN, Renate Gierus explicou que o seminário procurou oferecer indicativos para que a paz e a comunhão sejam possíveis na cidade, lugar fortemente marcado por práticas individualistas, materialistas e consumistas. Comunhão é a experiência de pequenos grupos para enfrentar essa massificação e anonimato – também na opinião do biblista, Dr. Carlos Dreher.
Realizado a cada dois anos, o seminário de formação do COMIN contou com a participação de pastores sinodais e da direção da IECLB, representantes do CAPA e KNH, professores de escolas indígenas, estudantes e professores/as de Teologia, Programa de Gênero e Religião, assessoras/es e conselheiras/os do COMIN.
Jornalista responsável: Micael Vier Behs