Padres jesuítas que trabalham no Mato Grosso com povos indígenas realizaram uma romaria solidária em favor do povo Chiquitano nos dias 28 de dezembro de 2006 a 2 de janeiro de 2007. A caravana foi coordenada pelo padre jesuíta Aloir Pacini, que trabalha com o povo Chiquitano no lado brasileiro. Participaram lideranças da igreja católica de Cuiabá e Cáceres, o Pastor Walter Sass do COMIN e Evanir Kich do GTME. A romaria começou nas aldeias Chiquitanas no Brasil e terminou nas missões jesuíticas da Bolívia que foram fundadas pelos jesuítas 315 anos atrás. Durante a viagem Chiquitanos do Brasil juntaram-se ao grupo de romeir@s.
Os Chiquitanos do Brasil sofrem com o preconceito dos não-indígenas, da parte da mídia que nega aos Chiquitanos o status de ser indígena. Alguns Chiquitanos deixam se levar pelos fazendeiros não querendo assumir a sua identidade temendo a perda da sua terra doada pelo INCRA. Mas a maioria das aldeias que visitamos luta pela terra e por sua cultura. O 1º Seminário de Afirmação dos Povos Chiquitanos, realizado entre os dias 10 a 12 de setembro de 2006, no município de Cárceres – MT evidenciou esse fato. O encontro reuniu cerca de quinhentos indígenas da etnia Chiquitano, representando 27 comunidades da fronteira do Brasil com a Bolívia. O encontro serviu para aproximar as diversas comunidades de índigenas Chiquitano que vivem na região da fronteira. .No Seminário as pessoas publicamente se manifestavam, re-significavam suas tradições, afirmavam-se Chiquitano brasileiros sem receio de discriminação. “Eu sou Chiquitano e sou brasileiro”. Com essas palavras, o cacique Cirilo Chiquitano, da aldeia Fazendinha, na Terra Indígena Portal do Encantado conclui o seminário.
Os dados mais antigos da origem deste povo remontam ao século XVII, quando foram instituídas as missões jesuíticas, chamadas de Reducciones, nas colônias espanholas. Diversas etnias eram reunidas para viverem juntas nas missões. Deste amálgama étnico, sobressaiu-se a língua e a cultura dos Chiquitos, atualmente Chiquitanos, tradicionais habitantes das regiões pantaneiras. Atualmente, há cerca de 40 mil Chiquitanos na Bolívia, e cerca de 2 mil no Brasil.
A etnia foi reconhecida há cerca de dez anos pela FUNAI. Viviam, e muitos ainda vivem – como trabalhadores rurais em fazendas da região. Na maioria dos casos, tratava-se de pequenas comunidades, que viviam de forma subsistente. “Afirmação étnica teve início, em grande parte, com a construção do gasoduto Brasil-Bolívia”, afirma a antropóloga Joana Aparecida Fernandes da Silva. E a questão da identidade, numa terra onde as condições de trabalho são difíceis ainda é muito reprimida.
A língua, no lado brasileiro, foi praticamente perdida ao longo do tempo. “A língua Chiquitano ainda é viva na memória dos velhos, que conversam entre si”, afirma a lingüista Aurea Cavalcante Santana, indigenista da FUNAI, que faz pesquisas atualmente para a classificação da língua Chiquitano.
A primeira terra indígena dos Chiquitano em processo de regularização fundiária na FUNAI se chama Portal do Encantado, que se encontra em fase de identificação. Além disso, há quatro pedidos de reconhecimento de territórios tradicionais, ainda em análise pela Funai. “No entanto, com a conscientização da população indígena, é possível que este número aumente”, afirma Joana. Na comunidade de Vila Nova, por exemplo, há uma intensa disputa com posseiros, como lembrou o cacique Florêncio. “Até para caminhar até o rio para buscar água, precisamos ter cuidado”, disse.
A caravana foi bem recebida nas aldeias Chiquitanas. O povo Chiquitano vive sua fé católica com fervor, mas não deixa de valorizar as suas crenças e seus pajés. No último dia da romaria foi celebrada uma missa campal no lugar sagrado, de onde os espíritos dos antepassados apareciam e ainda aparecem aos pajés. Nesse campo o pajé e nós rezamos para que a terra seja demarcada e que a água não seque na fonte, pois os fazendeiros já derrubaram a mata e queimaram de propósito a natureza na fonte do igarapé.
Padre Aloir levou junto às aldeias o Prêmio Estadual de Direitos Humanos “Padre José Ten Cate” que foi contemplado às personalidades físicas e jurídicas que se destacaram na área de Direitos Humanos em Mato Grosso no dia 14 de dezembro de 2006, na Assembléia Legislativa de Mato Grosso. Foi a primeira entrega do Prêmio Estadual de Direitos Humanos “Padre José Ten Cate”. Na categoria ações e experiências o processo de afirmação étnica do Povo Chiquitano, especialmente nas Aldeias Acorizal, Fazendinha e Vila Nova Barbecho com a preservação de sua história, tradições, crenças, formação de professores indígenas e valorização da língua nativa, ganhou o prêmio.
Podemos ver e sentir a cultura dos Chiquitanos na Bolívia. Podemos ver o início da missão dos jesuítas que têm influência até hoje. Jovens Chiquitanos tocam instrumentos da época, como por exemplo o violino, tambores e flautas com mestria. Uma religiosidade popular muito forte, com culto aos santos, procissões fervorosas e festas religiosas que eram celebradas já antes da chegada dos jesuítas. No início das reduções jesuíticas, perto da primeira redução em San Xavier, tem um lugar sagrado dos indígenas Pinokas, pedras sagradas onde ofereciam oferendas de animais e da colheita ao Espírito Piyo, Avestruz, o qual levará os mortos debaixo de suas asas sem sofrimento para a eternidade. Na época os jesuítas não toleraram este culto e construíram a igreja ao lado. Hoje mudou o conceito de missão entre os jesuítas, celebramos católicos, padres jesuítas e nós luteranos, junto com o pajé a missa final no lugar sagrado na aldeia Portal do Encantado.
Na noite cutural de encerramento da romaria na aldeia Portal do Encantado foi servido um jantar com comidas tradicionais muito saborosas. Tudo foi preparado com muito carinho pela comunidade. Na oportunidade, Evanir e Walter deram um presente para os Chiquitanos do lado brasileiro. Um novo testamento na língua materna, um dicionário, uma gramática e um livro sobre a saúde, tudo na língua Chiquitano, editado na Bolívia e organizado pela organização indígena Chiquitano. Na missa campal, uma jovem Chiquitana que dá aulas voluntariamente na língua Chiquitano leu pela primeira vez dois textos bíblicos na sua língua. Foi emocionante!
Ficou evidente nesta romaria que o povo Chiquitano existe e existia já antes da formação dos dois países Brasil e Bolívia. Ficou claro que é um povo só com uma cultura, língua, crenças e mitos e tem todo direito à sua terra aqui no Brasil.