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O centésimo nome de Deus só o camelo sabe

O centésimo nome de Deus só o camelo sabe
8 de janeiro de 2007 zweiarts

Curso dos professores Deni e Kanamari no rio Xeruã-AM

Nos dias 20 a 30 de novembro de 2006 foi promovido pelo COMIN um curso para sete professores Deni e três professores Kanamari que atuam nas escolas indígenas no rio Xeruã, município de Itamarati-AM. Dois temas foram abordados: as religiões no mundo e a espiritualidade Deni/Kanamari; temas geradores a partir de uma educação crítica. Os assessores do curso foram o estudante de teologia do Escola Superior de Teologia (EST) de São Leopoldo-RS Abraão Schäfer (estagiário) e Walter Sass do COMIN – Carauari-AM.

Todos os assuntos foram novidades para os professores, especialmente o tema das religiões. Estudaram partes do Antigo Testamento (Judaísmo) e do Novo Testamento (Cristianismo), a religiosidade indígena, o Hinduismo, Budismo e o Islã. Os professores indígenas perceberam, ao final do curso, que a sua religiosidade não é inferior a religiosidade de outros povos.

Foram descobertas semelhanças e diferenças entre as religiões. No Islã há 99 nomes de Deus, mas o centésimo nome só o camelo sabe que é suficientemente sábio para não revelá-lo aos seres humanos. Há diferentes nomes de Deus em todas as religiões, mas há um só Deus Criador. O Hinduísmo e o Budismo não dão nome a esse Deus Criador e falam numa lei universal que não tem início e não tem fim. Impressionou aos participantes do curso a religiosidade dos adeptos do Islã que diariamente se inclinam ao Deus Alá cinco vezes e gostam de usar o seu nome em muitas ocasiões no dia-a-dia, assim a vida dos islamitas fica impregnada da presença de Alá. No judaísmo, no cristianismo, no islamismo e na religiosidade indígena há manifestações de Deus através de anjos, espíritos da natureza, profetas, mensageiros de Deus, homens e mulheres iluminadas de sabedoria.

Na religiosidade Deni o sobrenatural se revela na natureza através de espíritos ligados à vida. Canta-se e dança-se, por exemplo, na ocasião da queimada do roçado, da pesca e da caça. Todos os povos têm seus mitos com o colorido do seu ambiente que são verdades, histórias sagradas que devem ser respeitadas. O sagrado se manifesta em todas as religiões em diferentes formas, sejam livros, árvores, casas, flautas, pássaros, cachoeiras, rios etc. Os Deni contaram de um lugar sagrado da caça, os Kanamari de um lago sagrado.

Os professores chegaram a conhecer a essência das religiões orientais, ou seja, a meditação. Os indígenas contaram que sabem o que é meditação e que isso existe na vida indígena. Há também restrições alimentares e sexuais temporárias, mas que não levam a uma desvalorização do corpo. A frase de Buda sobre a ignorância dos seres humanos tem muito haver com o preconceito contra os povos indígenas: – “Com o arco da concentração meditativa vou atirar a flecha da sabedoria e derrotar o tigre da ignorância dos seres vivos.”

Quando foram lidos textos do Antigo e do Novo Testamento sobre o dia do descanso iniciou-se uma discussão com a pergunta: Qual é então o dia de descanso que deveríamos observar? Os cristãos têm o domingo, os judeus o sábado e o Islã a sexta-feira. Os professores descobriram que o dia não é importante , mas o descanso em si, e descanso há na vida indígena em abundância nos rituais, nas danças e no descanso gostoso do dia-a-dia na rede. Lutero concordaria com os professores indígenas. Uma outra discussão foi que missionários cristãos levam às aldeias a questão de abstinência de certas comidas e de outras coisas importantes para sua cultura. Foi lida a posição de Jesus sobre a liberdade a respeito da comida. Todos os povos têm as suas dietas, mas nenhum povo pode impor  suas regras alimentares a outro povo.

A religiosidade indígena é parecida com as religiões orientais que não querem fazer proselitismo, mas são abertos em busca de complementaridade da vida. Chegou-se a conclusão que nenhuma religião tem a verdade absoluta: o centésimo nome de Deus só o camelo sabe. As guerras religiosas não se justificam, pois há um só Espírito Criador. “Nosso Deus e vosso Deus é o mesmo”, constata o Alcorão com referência a judeus e cristãos. O próprio Alcorão fala, para a surpresa de não conhecedores do Islã, de um tratamento cordial e justo para os seguidores não islamitas: “Deus não vos proíbe de tratardes com cordialidade e justiça os que não combateram a vossa religião nem vos expulsaram da vossa terra. Deus ama os justos.”(60:8) Os indígenas também expressam a mesma idéia.

A segunda parte do curso tratou de uma educação diferenciada a um contexto diferenciado. Muitos professores indígenas acabam reproduzindo um modo de educação ao qual estão submetidos nos cursos de capacitação, ou seja, muitas vezes reproduzem um modo não-dialógico que, por sua vez, é um modo não-crítico que pode acabar criando um ser humano alienado de suas próprias circunstâncias.

A princípio tentou-se resgatar o motivo de estarem dando aulas e porque se reivindicou esse direito naquele contexto. Os professores deram três motivos principais:

Compreender a cultura que os circunda
Reivindicar os direitos frente a essa cultura. Necessidade de comunicação com outros povos indígenas, na luta pelos direitos indígenas. E foi nesse clima de diálogo que se desenvolveu o curso. Descobriu-se o modo educativo não-crítico, em forma de um depósito bancário no qual o professor deposita o seu conhecimento unilateralmente nos alunos. Essa forma está ainda muito presente na cultura do não-indígena ao contrário da educação indígena tradicional, na qual pai e mãe envolvem seus filhos bem cedo na aprendizagem. O modelo de educação não-crítica priva o ser humano de seu caráter dialogal e comunicativo. Percebe-se que o único modo de se fazer cultura é no dialogo e na pratica.

Os professores concordaram que o modelo não-dialógico (não-crítico) é prejudicial a uma educação crítica, uma educação que leve a defender e reivindicar o direito de seu povo. O processo educacional deveria ser um processo dialógico com temas relevantes para o seu próprio contexto.

Foi abordado com os professores como poderiam trabalhar com temas geradores, temas transversais e como poderiam envolver mais os alunos. No final foram dadas duas aulas modelos com o tema gerador “natureza”. Os professores gostaram dos temas do curso e querem aplicar o novo conhecimento e as reflexões em conjunto na prática dentro de sala de aula.

O curso foi aberto com um pensamento de Cícero: “Apesar de já ser mais velho, continuo a aprender com os meus discípulos.” e terminou com uma sabedoria de origem desconhecida: “O sábio sempre quer aprender, o ignorante sempre quer ensinar.”

Carauari, 4 de dezembro de 2006.

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