Realizou-se, em 31 de outubro passado, o encontro de mulheres na T.I. Guarita, sob o tema: “Saberes Tradicionais Kaingang no uso e manejo de plantas”. O encontro aconteceu nas dependências do salão comunitário da Aldeia/Setor Km 10 (sede do cacicado – Tenente Portela/RS). Participaram cerca de 150 pessoas, na maioria mulheres (avós, mães, adolescentes), mas também AIS, AISAN, lideranças kaingang, membros da Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena/FUNASA e visitantes. As pessoas participantes se deslocaram dos treze setores da Terra Indígena Guarita, sobretudo dos grupos de mulheres dos setores Pau Escrito, Bananeira e Missão.
Este encontro é último, no ano de 2007, que teve como objetivo principal oportunizar a partilha e reflexão sobre temas importantes dos três encontros anteriores (Pau Escrito, Bananeira e Missão) que se relacionam diretamente com a tradição e os saberes kaingang, especialmente discutir sobre os assuntos abordados pelos avôs/ós e parteiras quando das entrevistas. Esta metodologia proporcionou o protagonismo da comunidade em reviver e revitalizar os saberes presentes na memória viva dos avôs/ós (kofá fi). Nesse sentido, reforçou a necessidade da revitalização de saberes no uso e manejo de plantas medicinais e nutricionais de domínio tradicional kaingang.
Os encontros e entrevistas a respeito são realizados desde início de 2007, junto às comunidades kaingang de Bananeira, Pau Escrito e Missão. A execução das ações está incluída nas demandas do Programa COMIN-ASA – Assessoria em Saúde e Alimentação executada pela equipe Comin/Guarita, monitoras, lideranças e docentes kaingang, tendo o apoio institucional do Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (PPIGRE/MDA).
A recepção do encontro foi realizada pelo cacique Valdones Joaquim. Ele acolheu todos às pessoas participantes desejando boas-vindas e exaltando a importância do conhecimento das pessoas idosas. Manifestou-se como parceiro em ações, atividades e iniciativas que venham fortalecer e unir a comunidade kaingang da T.I. Guarita.
A seguir as monitoras Zoraide Sales, Carlinda Sales e Ilda Crespo ressaltaram as informações disponibilizadas pelas idosas que colaboraram nas entrevistas. As monitoras afirmaram a satisfação de poder ter realizado as entrevistas e terem aprendido diferentes saberes da cultura, que orientam e orientarão nos cuidados de seus familiares, bem como da comunidade. As monitoras enfatizam às mães jovens da importância em respeitar e ouvir as experiências e os conhecimentos das pessoas idosas, parteiras e utilizá-los juntamente com os conhecimentos da medicina ocidental.
Compartilhado saberes
A maioria das pessoas idosas, participantes no encontro, compartilhou os seus saberes, relatando experiências na prevenção e cura de enfermidades e na promoção do desenvolvimento integral das crianças. De acordo aos relatos, os alimentos da culinária kaingang também eram concebidos como “remédios”, uma vez que as crianças tornavam saudáveis, fortes e com energia para brincar. Outro fator ressaltado foi quanto ao cuidado durante a gravidez e parto. Toda a preocupação e o cuidado na gestação e no parto visavam a garantir o desenvolvimento saudável das crianças e o pronto restabelecimento das parturientes.
Ainda na parte da manhã, o docente Guilherme Cristão, estimulou o debate entre os participantes, a respeito dos temas apresentados nos encontros anteriores: conhecimento tradicional em medicina e nutrição e o atendimento à saúde indígena; o uso das plantas; dimensões religiosas, entre outras questões.
Guilherme também participou de programa radiofônico na Rádio Comunitária “Cacique Fongue” (FM 89.7), onde comentou sobre a realização do encontro e seus objetivos.
Confraternização e solidariedade
No almoço comunitário foram servidos entre outros alimentos, alguns pratos da culinária kaingang: fuva, ãmĩ (bolo de farinha de milho, assado nas cinzas), pisé (preparado com milho cateto e caiano),mẽn hu totor (farofa de farinha de milho).
Após almoçarem, algumas participantes aproveitaram a oportunidade, para reverem parentes e pessoas amigas, que há muito não visitavam. Também, algumas aproveitaram para coletarem fuva, nas proximidades do local do encontro, estimuladas pelo alimento servido.
Continuando a partilha…
No retorno do almoço, seguiram-se as contribuições das participantes, estimuladas pela docente kaingang Juraci Vẽnhgranh Emílio, tratando de temas como orientações na vida conjugal, gravidez precoce e a dimensão religiosa no uso das plantas/ervas na cultura kaingang.
O docente Natalino Góg Crespo deu continuidade ao encontro, relatando a experiência realizada entre estudantes da E.E.I.EF. Davi Rỹgjo Fernantes (Missão, T.I. Guarita) a respeito das ervas medicinais e nutricionais. Natalino buscou estimular os presentes a buscarem diferentes espaços e maneiras na revitalização dos saberes tradicionais kaingang.
Sandro Luckmann, obreiro COMIN/Guarita, expôs que as ações e atividades realizadas na revitalização de saberes, durante o ano 2007, foram o início duma caminhada que a própria comunidade kaingang precisa definir como continuar. As atividades e o processo foram positivos, pois a comunidade kaingang participou ativamente nos diferentes momentos, revelando a disposição e as condições de continuar tais ações.
No encerramento do encontro, novamente o cacique Valdones Joaquim se pronunciou, agradecendo às pessoas participantes, e ressaltou a necessidade em dar continuidade em atividades e ações semelhantes, afirmou que está em diálogo com a coordenação estadual da FUNASA para viabilizar tal demanda.
Considerações finais
O encontro foi significativo porque possibilitou a presença das pessoas idosas, oportunizando o compartilhar de saberes e intercâmbio de informações da cultura e modo de ser kaingang. Além disso, a cada encontro percebeu-se a crescente participação das mães jovens que, juntamente às gestantes e nutrizes, estavam atentas no partilhar dos saberes das mais idosas.
A participação de membros da liderança, agentes indígenas de saúde e saneamento, reforça a importância em realizar ações e atividades na parceria com a comunidade. Reafirma a necessidade de buscar e respeitar os diferentes saberes. Sejam os saberes da medicina tradicional kaingang ou da medicina não indígena.