No salão comunitário da aldeia Missão, Terra Indígena Guarita – Redentora/ RS, em quinze de agosto passado, realizou-se o terceiro encontro de mulheres kaingang, sob o tema Revitalização de Saberes Tradicionais. Participaram do encontro 75 mulheres e docentes kaingang das aldeias Pau Escrito, Bananeira e Missão, e avós provenientes de outras localidades da Terra Indígena Guarita, que receberam visitas domiciliares e colaboraram com seus saberes a comunidade indígena. Também esteve presente o representante do MDA/PPIGRE, Sr. André Luis Oliveira de Araújo, analista em Reforma e Desenvolvimento Agrário.
O encontro integra as ações em prol da revitalização de saberes no uso e manejo de plantas medicinais e nutricionais tradicionais kaingang na T.I. Guarita, sob o apoio institucional do Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (PPIGRE/MDA). As atividades se realizam desde janeiro do corrente ano, em três aldeias kaingang: Bananeira, Pau Escrito e Missão, estabelecidos no plano de trabalho da equipe COMIN-Guarita, sob a coordenação de Noeli T. Falcade e Sandro Luckmann, e a execução de três monitoras kaingang Carlinda Sales, Ilda Crespo e Zoraide Sales.
A recepção do encontro aconteceu em clima festivo e de entusiasmo. Momento de aproximação e reencontro entre parentes, que mesmo morando na mesma terra indígena, há tempos, estavam sem contato. Após a acolhida às visitantes, Ilda Crespo, monitora da Missão, deu início ao encontro saudando e agradecendo a todas pela presença. Em seguida as participantes receberam as felicitações das monitoras Zoraide Sales e Carlina Sales. As três monitoras fizeram explanações do andamento dos trabalhos e ressaltaram a participação e os conhecimentos tradicionais das avós como indispensável na orientação, promoção e complementação no cuidado com a saúde da família. As avós que participavam pela primeira vez, trouxeram ervas medicinais e nutricionais de seu uso e domínio. As participantes fizeram o reconhecimento das mesmas e ouviram o relato das avós sobre o seu cuidado, preparo e uso, como remédio curativo e preventivo, ou o valor nutricional, ou prática terapêuticas para auxiliar na vida conjugal, refortalecimento da saúde, “ficar forte”, na expressão das participantes.
Com a realização dos encontros – que já foram realizados em Pau Escrito e Bananeira – percebe-se o despertar da expectativa e a curiosidade das mulheres mais jovens em relação aos saberes das avós. Evidenciado em momentos em que as avós explanam a respeito das ervas, muitas participantes se aproximam, tocam e cheiram as ervas, realizando comentários paralelos com as vizinhas sobre o assunto, às vezes sendo motivo de risos e apoderamento do conhecimento socializado. Desperta o interesse das participantes os comentários e orientações das avós sobre “doenças brabas” ou “doenças dos brancos”, todas ficam atentas e receptivas às práticas terapêuticas apresentadas, visto que alguns indígenas não procuram o tratamento médico para estes casos.
Após o almoço de confraternização, desenvolveram-se atividades coordenadas por docentes kaingang Juraci Emílio e Natalino Góg Crespo. O tema proposto às participantes tratou de questões espirituais e religiosas no manejo e uso das plantas medicinais. A abordagem evidenciou a religião ancestral kaingang e as distinções com a prática multi-religiosa presente entre os kaingang. Também se comentou sobre a prática do atendimento na Unidade Básica de Saúde, posto de saúde. O debate deu-se com sensibilidade e sinceridade entre as participantes, na tentativa de reconhecer e analisar a razão de algumas situações atuais da sociedade kaingang. Citam-se como exemplo, duas falas:
– há muita separação e briga entre os casais, pois não se têm respeitado os costumes e a tradição das metades tribais (kamé e kairukré). Esse costume está passando despercebido pelos jovens e causando uma perda da identidade e base da organização kaingang;
– quando alguém fica doente, procura o postinho de saúde e o médico, mas não se recupera; procura, então, ir à igreja (pentecostal), ora com o pastor, mas não fica boa; procura, ainda, tomar os chás e fazer as curas tradicionais, mas também não fica boa/forte novamente. Isso acontece porque essa pessoa não crê em nada. Os kaingang precisam acreditar (ter fé) naquilo que vai fazê-los um povo forte, com identidade.
As falas e o tema deverão ser retomados na realização do Encontro Geral de “Revitalização dos Conhecimentos Tradicionais”, previsto para o dia 31 de outubro corrente, na sede do cacicado da T.I. Guarita (Aldeia Km 10). E, também, na confecção de material paradidático.
Nesse sentido, a participação dos docentes kaingang nos encontros realizados visa à confecção dum material paradidático destinado aos estudantes kaingang. O material terá como base os relatos proferidos nos encontros e de entrevistas com pessoas idosas e parteiras da T.I. Guarita. Após o encontro realizado na aldeia Missão, três docentes têm se reunido, com apoio das monitoras kaingang e da equipe do COMIN, para confeccionar o material. No momento, debate-se sobre o conteúdo do material e o público alvo para elaboração, bem como se será bilíngüe (kaingang e português) ou tão somente monolíngüe (kaingang). Há uma preocupação na equipe, quanto à preservação dos conhecimentos de domínio tradicional, não serem utilizados como fonte à biopirataria. O objetivo é publicar o material para o início do ano letivo de 2008.