As mulheres indígenas, a partir de suas realidades, percepções e seus corpos-territórios, potencializam a articulação indígena e ampliam a compreensão dos desafios enfrentados pelo movimento indígena no Brasil. São as mulheres indígenas que têm chamado a atenção para a urgência do fortalecimento do movimento indígena e que vêm problematizando a exploração dos recursos naturais em seus territórios, que traz tantos efeitos negativos nos modos de ser e viver dos povos indígenas.
A Exposição “Quem é ela” nos apresenta mulheres indígenas dos seis biomas brasileiros, com suas histórias, lutas, forças e ancestralidades.
Fláxia Xakriabá
Fláxia Xakriabá
A comunicação sempre foi muito presente em sua vida. “Assim que chegou a energia no território Xakriabá, acho que em 2003, 2004, meu irmão me deu um videogame. Acho que eu era a única pessoa que tinha e vinha gente de todas as aldeias para poder jogar. Desde aí, fui a primeira menina, acho que com 11 anos, a estar na equipe de comunicadores Xakriabá, que era um projeto de ponto de cultura: a gente participava de eventos culturais nas aldeias, filmava, editava tudo, gravava DVD e distribuía nas escolas”.
Aos 14 anos, Flávia teve contato com o movimento indígena, primeiramente de base e depois nacional, sempre atuando na área da comunicação. Aos 18 anos, saiu pela primeira vez do território para cursar Jornalismo na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), em Cachoeira (BA). Apesar do incentivo da família, principalmente da prima Célia Xakriabá, quem ela acredita ser a pessoa que a despertou para o jornalismo, a adaptação na nova cidade foi bastante difícil. Mas, ao longo do tempo, foi descobrindo que havia outras pessoas indígenas na universidade e, juntas e juntos, fundaram o primeiro coletivo de estudantes indígenas da UFRB.
“A gente revolucionou a universidade, fez grandes eventos com várias pessoas, e a academia nem imaginava que a gente era indígena e que a gente poderia fazer um movimento tão grande assim. A Universidade Federal do Recôncavo sempre foi conhecida por ser a universidade mais preta do Brasil, mas, em questão de indígenas, a gente é muito invisibilizado e foi a partir do coletivo que começamos a nos erguer”.
Na universidade, Flávia também despertou para a questão do movimento das mulheres, que sempre esteve em maior número nesses espaços. “Acho que nós, mulheres indígenas, sempre fomos grande maioria em todos os espaços, só não éramos vistas, não tínhamos essa visibilidade, mas acho que a gente sempre teve de frente a tudo e a bancada do Cocar veio para firmar mesmo e dizer que a gente pode ser protagonistas, que a gente está aqui e pode inspirar muitas outras mulheres”.
Essa inspiração também se reflete na sua área de atuação, a comunicação. “A comunicação abre várias portas. Acho que, através da comunicação, principalmente nos movimentos, é que se revelam vários nomes e podemos chegar em lugares gigantescos. E sempre tem alguém se inspirando na gente e isso é incrível, porque eu já vi muitas meninas que falam ‘meu sonho é ser comunicadora da ANMIGA’. A gente sonha em continuar nesse espaço que é nosso e a gente faz muito bem”.
Juliana Alves Jenipapo
Juliana Alves Jenipapo
Aos 14 anos, teve sua primeira responsabilidade: ser conselheira representando um grupo de jovens da aldeia dentro do Conselho local de Saúde. E, aos 16 anos, Juliana foi mãe e isso marcou para sempre a sua vida, inspirando-a e dando mais força para continuar lutando em prol de seu povo e também do movimento indígena do Ceará.
Por um período, largou os estudos mas, quando a filha estava com sete anos, retornou a uma rotina da qual nunca mais parou: finalizou o Ensino Médio, fez graduação em Licenciatura Intercultural Indígena pela Universidade Federal do Ceará (UFC), formando-se em 2016, Especialização em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica pela Faculdade Kurios, no mesmo ano, e mestrado em Antropologia também pela UFC, concluído em 2022. Também iniciou o curso de Direito, mas não finalizou.
“Sempre tive uma adolescência voltada para a luta. Em algum momento, alguém quis romper, mas não permiti. Aí continuei entre os caminhos da luta e os caminhos dos estudos, porque a gente passou a compreender e a entender a importância que é estar ocupando o espaço da universidade”.
Por essa luta, Juliana se tornou cacica Irê do povo Jenipapo-Kanindé em 2010, quando sua mãe passou para ela o cacicado. “Já não consigo mais me ver sem essa militância, sem essa liderança”. Ela também atuou como coordenadora da Articulação das Mulheres Indígenas do Ceará (Amice) e é uma das co-fundadoras da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA).
“As mulheres indígenas sempre estiveram nessa militância, elas sempre tiveram lideranças, mas isso tudo era muito local, a gente não tinha esse protagonismo fora do território. Isso tem crescido com muita positividade ao longo dos anos. As mulheres indígenas têm essa potência porque é algo que surge de dentro para fora, não é algo de fora para dentro. Eu preciso estar bem internamente, com minha espiritualidade, com minha encantaria, para depois fazer o externo. É por isso que a gente tem essas conquistas nos últimos anos, porque nós tivemos uma linguagem própria. Nós compreendemos que nossos territórios são nossos corpos, que nossos corpos são nossos territórios”.
Juliana se candidatou a deputada estadual em 2022, mas não foi eleita. Atualmente, é a primeira secretária estadual dos Povos Indígenas do Ceará. “Para além de estar nesse trânsito do movimento indígena e a universidade, a gente também foi procurando ocupar outros espaços e um desses espaços é o espaço da política, porque percebemos que se fazia necessário e urgente”.
Juliana atualmente é casada e também é mãe de Levi, que tem nove anos. Sua filha Graziele tem hoje 21 anos e cursa Enfermagem na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).
Kunã Aranduhá
Kunã Aranduhá
Desde que nasceu, em 1990, Kunã já sente a violência contra seu povo Guarani Kaiowá, que foi retirado de seus territórios ancestrais nos anos de 1911 e 1912, começando um processo de revezamento, loteamento, privatização e venda de terras que culminou na criação de oito reservas indígenas que enfrentam superlotação.
Kunã cresceu na Reserva Indígena de Dourados (MS), que sempre foi vista como o centro dos territórios do povo Guarani Kaiowá e tem um amplo histórico de violência e racismo contra a população indígena, principalmente contra mulheres indígenas. “Minha família está toda lá e sofreu com o processo de retirada dos territórios, meu pai e minha mãe passaram muitos anos como funcionários de fazendeiros, não podiam nos ensinar nossa língua materna, era época da ditadura militar”.
Ela viu seu pai e três irmãos serem assassinados e, aos 14 anos, saiu de casa para fazer sua luta pela questão territorial e buscar algum tipo de justiça. Aos 17 anos, começou a estudar na cidade, transitando entre ela e o território; e, há cinco anos, efetivamente vive no espaço urbano, não tendo local fixo por questão de segurança, já que sua casa foi invadida quatro vezes na aldeia e duas na cidade.
Antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, foi iniciado o processo de retomada dos territórios Guarani Kaiowá, que segue até hoje, porém sem garantia de que haverá demarcação. “Eu vejo esse processo que está acontecendo agora como um processo de retomada de tudo que nos pertence, mas de uma forma diferente. São 523 anos de invasão, de colonização, de dizimação. Esse investimento de entender um pouco mais em cima a política e de colocar pessoas à disposição e eleger representantes políticos tem sido uma forma da gente estar lá, da gente encaminhar sobre nós”.
Kunã se identifica como mediadora desses processos e uma pessoa que está nos espaços de formação, fazendo os debates necessários. É uma das mulheres co-fundadoras da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), coordenadora da Kuñangue Aty Guasu, grande assembleia das mulheres Guarani e Kaiowá, e fundadora do Observatório da Kuñangue Aty Guasu. Fez graduação em Ciências Sociais e, atualmente, faz mestrado em Antropologia, ambos pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
Sua pesquisa vincula-se à temática do combate à violência contra as mulheres indígenas Guarani Kaiowá. “Acho importante ressaltar que, apesar de estarmos vivendo um momento histórico, é preciso proteger as mulheres que estão nessa linha de frente, porque existe uma ferramenta muito grande de luta contra nós que é o mundo tecnológico do mundo branco. São mulheres que tiveram muito à frente da luta, estão muito machucadas. Se uma tombar, todas continuam, mas não queremos que mais nenhuma tombe”.
O-é Paiakan Kayapó
O-é Paiakan Kayapó
Em 2021, aos 37 anos, foi escolhida para assumir a liderança do seu povo e se tornou cacica da aldeia Krenhyedjá, de Ourilândia do Norte. E, desde 2023, está à frente da Coordenação Regional Kayapó Sul do Pará da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), localizada no município de Tucumã. “O que me motiva é ver os problemas que acontecem dentro do meu povo para poder usar esse meu papel, esse meu espaço de liderança para ajudar”.
Ser liderança vem de família: ela é uma das filhas do cacique Paulinho Paiakan, um dos pioneiros do movimento indígena e da luta pela inclusão dos direitos indígenas na Constituição Federal de 1988, bem como pela demarcação da Terra Indígena Kayapó, conquistada em 1991. Seus avós, tanto materno quanto paterno, foram caciques em suas aldeias, e sua tia é a liderança Tuira Kayapó, ativista dos direitos indígenas e do meio ambiente.
O-é participou do primeiro Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em 1989, quando mais de 600 indígenas se encontraram em Altamira (PA) contra a hidrelétrica de Belo Monte. “Então já vim disso sem eu ser instruída, mas a vivência me fez viver isso. Estar nesse âmbito político dentro e fora do território com meu povo. Isso já vem desde criança comigo e eu gosto também de estar nesses espaços de luta. Acredito que nós, povos indígenas, independente de termos uma linhagem familiar de lideranças ou não, a gente nasceu para luta”.
Seu pai levou ela e sua irmã para estudarem em Belém (PA), já que na aldeia o ensino se dava apenas com pessoas missionárias. “Meu pai falou que o nosso poder estaria em nosso conhecimento. Nos dois conhecimentos, tanto no território com nossa cultura, quanto na educação ocidental, que estaria nos empoderando para poder estar nesse espaço de luta. E é o que está acontecendo, porque hoje a gente é respeitada dentro do nosso território por sermos formadas na educação ocidental, mas também de levar nossa linhagem de liderança como mulher”.
Na cidade, O-é concluiu os Ensinos Fundamental e Médio, formou-se em Serviço Social e agora faz mestrado em Antropologia na Universidade Federal do Pará (UFPA). Já atuou na saúde indígena, na Associação Floresta Protegida, na União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB) e no Instituto Paiakan. É co-fundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) e membra da Federação dos Povos Indígenas do Pará (FEPIPA).
“O desafio maior é atuar dentro desses espaços. Por sermos mulheres, somos pouco ouvidas pelos homens. Os homens têm a maioria em consenso, mesmo objetivo, mesmo voto, mesma fala, onde eles ignoram a presença das mulheres. Apesar disso, nós estamos quebrando barreiras e mostrando para eles que não estamos para competir com eles e nem deixá-los para trás, mas sim somar junto. Que hoje a mulher tem essa necessidade, porque a gente também quer ver, quer ouvir, quer falar. Hoje está aparecendo bastante mulheres lideranças. A gente vê muitas mulheres formadas e temos muitas mulheres dentro dos territórios comandando suas aldeias e elas estão se interessando mais. E a gente que está nesses espaços acaba puxando e multiplicando muito mais”.
Sônia Ara Mirim
Sônia Ara Mirim
Nasceu em 1975 em São Paulo, fora da comunidade indígena. Sua mãe, do povo Xukuru-Kariri, chegou na cidade quando tinha cinco anos de idade, após seu pai ter sido assassinado por pessoas grileiras e sua família ter sido expulsa de suas terras na região Nordeste. Sônia cresceu ouvindo as histórias sobre sua ancestralidade e, na década de 1990, foi acolhida pela comunidade Guarani da região de Parelheiros, onde aprendeu sua língua e costumes, estando há mais de 30 anos lutando junto ao povo Guarani. “Acho que a importância da luta é essa: você não ter uma etnia específica, você sempre estar ali apoiando”.
Sônia é mãe de uma adolescente de 16 anos que, assim como ela, tem seu movimento de luta. “Quando ela ver o caminho certo, ela vai ser uma grande guerreira”. Para ela, é de extrema importância a valorização e reconhecimento da luta das mulheres indígenas, sem esquecer toda a violência sofrida pelas mulheres com esse protagonismo.
Nos anos 2000, começou a participar do movimento das mulheres indígenas junto à cacica Jandira. “Eu comecei a perceber as mulheres quando iam falar, a força que elas tinham. Mulheres advogadas, mulheres médicas, mulheres psicólogas. E comecei a perceber que era importante estar nesses espaços “. Quando dona Jandira faleceu, em 2012, Sônia entendeu que havia chegado o momento para sua própria luta, a partir de tudo que havia vivenciado.
Essa luta passa pela demarcação do território indígena do Pico do Jaraguá, iniciada em 2013. Até esse ano, o povo Guarani que vive em São Paulo não era ouvido e sofria forte repressão e perseguição, e foi preciso uma ação conjunta com o Movimento Passe Livre para que houvesse mobilizações nas ruas e visibilidade ao movimento. “Foi assim que a gente começou a se fortalecer e hoje estamos aqui, sendo reconhecidas. Sou reconhecida pelos meus parentes, não só pelo povo, mas por toda uma luta, uma trajetória, e dentro do território vamos fazendo nossos trabalhos, tentando viver um pouco melhor, porque o estado de São Paulo é um estado muito repressor, é um estado onde não somos vistos como população indígena”.
Sônia não se considera uma liderança e sim uma mulher ativista que luta pelos direitos, “muitas vezes não só pelos Guaranis, mas para vários povos também. Sempre falo que líder é aquele que sempre está na linha de frente e eu geralmente estou dando resguardo. Nós estamos aqui para apoiar e com a luta seguindo em frente”.
Sonia Guajajara
Sonia Guajajara
Sonia foi conquistando espaço com a militância participando ativamente do movimento indígena: foi eleita coordenadora geral da Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (COAPIMA), em 2003, vice-coordenadora da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), em 2009, e ocupou o cargo de coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), de 2013 a 2021.
Há mais de dez anos representa as e os parentes indígenas no Conselho de Direitos Humanos da ONU e leva alertas e denúncias às Conferências Mundiais do Clima (COP), ao Parlamento Europeu e outras instâncias internacionais, já tendo percorrido mais de 30 países.
Sua atuação na linha de frente contra projetos que retiram direitos e ameaçam os povos indígenas é reconhecida mundialmente. Em 2015, recebeu a Ordem do Mérito Cultural, que premia personalidades brasileiras e estrangeiras por suas contribuições prestadas à cultura do país, e, em 2022, foi considerada uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time.
Sonia ingressou na política em 2018, quando foi a primeira indígena a compor uma chapa presidencial, ao lado de Guilherme Boulos, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), abrindo a discussão dentro do movimento indígena para a importância de ocupar a política. Não foi eleita, porém trouxe a pauta indígena e ambiental para o centro do debate político e prosseguiu ampliando a visibilidade e a incidência dos povos indígenas no Brasil.
Sua luta ao lado das mulheres indígenas também tem grande destaque. Em 2019, foi co-organizadora da primeira Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília, evento que reuniu mais de 2 mil mulheres de diversos povos e de todas as regiões do país. Com a marcha e ao lado de outras lideranças indígenas mulheres, fundou a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA).
Nas eleições de 2022, atendendo ao chamado da APIB, assumiu o compromisso de aldear a política brasileira, lançando, junto a outras candidaturas indígenas, sua campanha à deputada federal pelo estado de São Paulo, tornando-se a primeira deputada indígena eleita no estado e a indígena com a maior votação da história.
Após integrar o GT dos Povos Originários e ajudar a construir o relatório que mapeou as principais demandas e prioridades para os povos indígenas, Sonia foi convidada e nomeada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministra do primeiro Ministério dos Povos Indígenas do Brasil. “Me sinto muito honrada e feliz com essa nomeação. Mais do que uma conquista pessoal, está é uma conquista dos povos indígenas do Brasil, um marco na nossa história de luta e resistência”, declara.
Sueli Khey Tomás
Sueli Khey Tomás
Sueli tem 32 anos, é técnica em Enfermagem, formada pela Faculdades EST, artesã, palestrante e ativista, fundadora do primeiro Memorial da Mulher Indígena Kaingang, primeiro projeto criado para e com as mulheres da Por Fi Ga. Além de turístico, o memorial será um espaço para as mulheres estarem na presença e ouvirem as histórias de suas ancestrais e terem acesso às suas ervas e comidas tradicionais. “Porque a geração de agora não conhece o nosso passado, como os nossos avós e nossos pais viviam. A construção desse espaço será fundamental para que a gente mostre que tem voz”.
Ela busca seguir estudando: começou a cursar Enfermagem, mas as dificuldades impostas pela universidade não permitiram dar seguimento, e seu foco agora é Psicologia, aliada sempre ao movimento indígena. “Eu me considero uma mulher liderança porque todas nós somos líderes em alguma coisa. E quando a gente é líder de algum movimento, a gente trabalha muito, se esforça muito, porque cada vez pode aperfeiçoar mais. E trabalhar na causa indígena não é fácil, tanto dentro das comunidades quanto fora. Todas as mulheres indígenas e não indígenas são lideranças e lideranças fortes, porque sempre estão na luta”.
O protagonismo das mulheres indígenas sempre esteve em sua luta. “De uns anos para cá, a gente começou esse movimento e a gente começou a ser notada. Porque antes era difícil, e continua sendo, falar sobre o protagonismo feminino, ainda mais quando se trata de mulheres indígenas. Agora a gente tem as lideranças que também apoia, que também abre as portas e que dão voz, algo que não acontecia até um passado bem recente. Então a gente vem mudando o pensamento das nossas lideranças masculinas, a gente vem trabalhando juntos e se esforçando para que melhore, porque não é fácil tu ser mulher indígena dentro de uma comunidade onde a maioria das vezes é formada por homens”.
Val Eloy Terena
Val Eloy Terena
Mãe de uma mulher de 22 anos e avó de um menino de três, Val dedicou parte da sua vida ao sustento da família trabalhando fora do território. “A gente não vem para cidade porque a gente quer, a gente vem porque precisamos trabalhar, porque dentro do nosso território já não tem essa amparação. Quem ocupa os espaços dentro das escolas, são pessoas formadas como professores; na área da saúde, são pessoas que são formadas na área da saúde; e no meu caso não tive essa oportunidade. Tive que vir para Campo Grande trabalhar e também tentar terminar meus estudos, porque na aldeia, na minha época, não tinha o Ensino Fundamental a partir da 6ª série, e as meninas casavam e os meninos iam para o corte de cana”.
A partir disso, Val foi direto para o movimento indígena e, desde então, vem se dedicando à defesa dos direitos dos povos indígenas, sabendo que tudo que está fazendo é pela família, para garantir um futuro melhor também para sua filha e neto. “É um desafio muito grande, é muita responsabilidade e muito perigoso você estar ali na frente para o embate, as pessoas verem que você está ali defendendo um direito. E nós estamos em um estado totalmente conservador, agro mesmo”.
Em 2014, liderou uma retomada indígena em Campo Grande (MS) e se tornou cacica de um grupo de aldeias em contexto urbano durante três anos, a comunidade Tumumé Kalivono, atual aldeia Ynamati Kaxé. Em 2020, concorreu às eleições municipais como vice-prefeita da capital Campo Grande; e, em 2022, concorreu ao cargo de deputada federal, integrando o projeto Aldear a Política, sendo a mulher indígena mais votada do MS.
“Eu sempre considero uma parte muito importante de toda a minha trajetória, desde que surgi para o movimento indígena, é a posição de ‘ser mulher’. Porque no meu povo, assim como em muitos povos, tem essa resistência de mulher liderança. Quando me colocaram como cacique, eu mesma me perguntei ‘será que eu posso?’, mas já estávamos no caminho indo para essa revolução que hoje estamos, das mulheres poderem ocupar esses espaços”.
Para ela, é histórico o que as mulheres indígenas estão vivendo agora e o seu fortalecimento para dentro do movimento indígena. “Eu não tenho dúvidas que esse protagonismo é nosso, que todas essas conquistas, esses avanços foram através da força da mulher indígena de acreditar em nós mesmas”.
Atualmente, Val integra a coordenação executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), como coordenadora do Conselho Terena, uma das sete organizações regionais que compõem a articulação.
Esta é uma exposição permanente e novas histórias de mulheres indígenas vão sendo divulgadas, mostrando a diversidade de seus corpos-territórios. Acompanhe!
A exposição “Quem é ela?” nasce a partir do projeto Moviracá: direito à terra indígena, fruto da parceria entre o movimento indígena e a Fundação Luterana de Diaconia-Conselho de Missão entre Povos Indígenas (FLD-COMIN), financiado pela União Europeia (UE).
Conheça o Caderno da Semana dos Povos Indígenas 2023 que tem como tema Mulheres: corpos-territórios indígenas em resistência!, da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) e FLD-COMIN.
ACESSE A PUBLICAÇÃOFOTOGRAFIAS
Acervo pessoal
ARTE
Cristina Pozzobon
FONTE E ILUSTRAÇÕES
@dewaneios_
TEXTOS
Daniela Huberty