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Mesa debate defesa dos direitos constitucionais dos povos indígenas

Mesa debate defesa dos direitos constitucionais dos povos indígenas
8 de outubro de 2020 COMIN Comunicação

A Constituição Federal de 1988 reconheceu aos povos indígenas a legitimidade de suas diferentes organizações sociais e uma estrutura jurídica própria, além dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. No entanto, após 32 anos da promulgação da Constituição, os direitos indígenas vêm sendo atacados em um contexto de antipolítica indigenista que visa a desterritorialização e a integração dos povos indígenas.

Para discutir essa situação, o Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN) junto ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o Portal Desacato realizaram, na terça-feira (06), uma mesa de debate com o tema Em defesa dos direitos constitucionais dos povos indígenas, transmitida ao vivo no Facebook do COMIN.

O debate teve a participação do coordenador do COMIN-FLD, Sandro Luckmann e das lideranças indígenas Brasílio Priprá, Xokleng da TI Laklãnõ (SC), cacique Deoclides de Paula, Kaingang da TI Kandoia (RS), Kerexu Yxapyry, Mbya Guarani da Tekoha Morro dos Cavalos (SC), Paulina Martinez, Avá-Guarani da Tekoha Guasu Guavirá (PR), e cacique Timóteo Verá Tupã Popygua, Mbya Guarani da aldeia Takuari (SP), além da professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos da instituição, Fernanda Bragato, e do procurador regional da República, Paulo Leivas. A medição foi feita por Carol Hilgert.

Direitos indígenas sob ataque

As lideranças indígenas lembraram que os direitos indígenas garantidos na Constituição Federal de 1988 foram uma conquista da luta do movimento indígena no país. Apesar da vitória, Kerexu lamenta que os povos precisem estar constantemente em confronto com o Estado para que a lei seja cumprida. “Agora piorou, é um momento de retrocesso”, afirmou devido à promessa do atual governo de não demarcar nenhuma terra indígena. “É muito grave o que estamos passando, mas a gente se agarra nesses direitos e a Constituição Federal está vigente e é nossa defesa”, disse.

Brasílio lembrou com emoção o momento da promulgação da Constituição e com tristeza o resultado que ainda não veio a muitos povos. “As pessoas modificam sempre pra prejudicar os povos indígenas, não respeitando os direitos originários. [..] A terra tradicional é a vida dos povos indígenas do Brasil. Demarcar terra indígena não é retirar terra de ninguém, é devolver aquilo que sempre foi dos povos indígenas”, exaltou. A importância do território foi marcada também na fala de Timóteo: “Precisamos desse espaço para que possamos viver, mantendo nossa cultura e formas de agradecer a Nhanderu e Tupã”. Por isso, a luta pela garantia dos direitos territoriais não é individual. “Eu não estou lutando por mim, estou defendendo o coletivo da nossa comunidade”, disse.

Para o procurador Leivas, passamos, atualmente, por um processo de desterritorialização e neocolonialismo que, em muitos casos, leva ao genocídio dos povos. “Infelizmente, está vencendo na sociedade a narrativa de que os povos estão sendo privilegiados em termos do reconhecimento dos direitos constitucionais”, fruto de um modelo neoliberal que “está hoje em uma cruzada contra todo o tipo de vida que não esteja de acordo com seu projeto de economia e desenvolvimento”, ressaltou.

Sandro reforçou a tese da política de genocídio que está em curso atualmente, afirmando que “o processo de não reconhecer a humanidade e a plena capacidade dos povos e querer pautar uma relação com as comunidades em uma perspectiva que não seja de reconhecimento de direitos já é uma prática genocida”. Destacou ainda que a luta e a defesa incessante dos direitos dos povos é, sobretudo, para existir e existir a partir de uma dinâmica própria e, por isso, a territorialidade é um lugar de ser: “É na terra que os indígenas constituem sua forma de ser e isso incomoda as pessoas não indígenas”.

Tese anti-indígena

A preocupação com o genocídio dos povos indígenas ganha destaque com a proximidade do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.367, que discute a reintegração de posse movida contra a demarcação da TI Ibirama-Laklãnõ, do povo Xokleng, em Santa Catarina. Considerado de repercussão geral pelo STF, o caso servirá de base para todos aqueles que envolvem a demarcação de terras indígenas. O julgamento está previsto para o dia 28 de outubro e colocará em xeque a tese do “marco temporal” e a defesa de que os povos indígenas só podem reivindicar terras onde já estavam na data de promulgação da Constituição Federal – 5 de outubro de 1988.

Para Paulina, “o governo brasileiro quer fazer valer o marco temporal para que realmente o que ele fala se torne real. […] Esse será o maior genocídio que um presidente fará contra a população indígena se isso acontecer”, disse. Paulina conhece os efeitos da anulação da demarcação de terras: em março deste ano, portaria da Fundação Nacional do Índio (Funai) declarou a nulidade do processo de demarcação do seu território Avá-Guarani. “Os juruá que estão no poder não pensam na dignidade do ser humano. Querem fazer valer leis que são boas pra eles, que tragam lucros, sem pensar nas vidas inocentes de nossas crianças”, ressaltou.

Deoclides lamentou que o Brasil esteja há 520 anos exterminando os povos indígenas. Como exemplo, lembrou que, na região Sul, onde vive, as consequências da colonização e devastação levaram os povos a viver em áreas muito pequenas e com pouquíssimos recursos naturais. “A gente se sente esquecido pelo Estado brasileiro. É uma mágoa que fica pelas lideranças que a gente conheceu e foram assassinadas ao lutar por direitos”, afirmou. O cacique fez ainda um apelo às ministras e aos ministros do STF diante do julgamento da repercussão geral: “Será que vale mais um pé de soja ou um boi do que uma vida indígena?”.

A professora Fernanda ressaltou o contexto abertamente discriminatório que temos no país e lembrou que o Brasil tem responsabilidade internacional de proteger os povos indígenas contra o extermínio físico e cultural. “A aplicação da tese do marco temporal coloca em risco a existência e continuidade das comunidades indígenas e afeta os povos que foram retirados de suas terras em um passado próximo. O Estado brasileiro não pode sacramentar uma tese que deixa os povos sem perspectiva de vida”, afirmou.

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